Bom, vamos partir de definições acadêmicas do padrão de desenvolvimento SOLID, e em especial do Princípio de Substituição de Liskov ilustrado pelo mgibsonbr na resposta que deu origem à essa pergunta.
Por que usar composição e não herança?
Se eu tivesse que resumir em uma linha seria: "Para separar comportamento de hierarquia". Muitas vezes queremos apenas agrupar comportamento e características. O problema é que o mesmo comportamento pode ser observado em diferentes hierarquias: Exemplo Passáros
e Aviões
voam, na verdade o que queremos reaproveitar entre eles é o comportamento (Voador
), bem como atributos comuns pertinentes à esse comportamento. Sempre penso em comportamentos como interfaces (exemplos do Java: Runnable
, Closeable
, etc).
Comportamento comum não necessariamente define uma relação de herança, muitas vezes é melhor abstrair o comportamento em sua própria unidade. Para isso algumas linguagens possuem mecanismos como Traits e Mixin. O Java 8 introduziu Default Methods para facilitar a reutilização.
Então por que usar herança?
Pois muitas vezes você realmente quer estabelecer uma hierarquia de classes, sua relação é naturalmente mais forte, e os atributos e comportamentos são específicos para essa cadeia. Os diversos objetos de uma cadeia compartilham "identidade existencial" (IS-A
), não apenas comportamento comum.
Veja que no exemplo em questão o problema não é com o Animal
e sim com o AbrigoAnimais
, em especial com a operação void adicionarAnimal()
que é uma operação para modificar o estado do abrigo. Assumindo que a relação entre AbrigoAnimais
e AbrigoCachorros
seja forte, podemos resolver o problema do overload
sem composição:
abstract class AbrigoAnimais<T extends Animal> {
abstract T obterAnimal();
void adicionarAnimal(T a) { }
}
class AbrigoCachorros extends AbrigoAnimais<Cachorro> {
Cachorro obterAnimal() { return new Cachorro(); }
@Override
void adicionarAnimal(Cachorro c) { } // É override
}
AbrigoAnimais<Cachorro> canil = new AbrigoCachorros();
canil.adicionarAnimal(new Cachorro());
// inválido
canil.adicionarAnimal(new Gato());
Mas e o exemplo do Retângulo?
Mais uma vez o problema é com um método para modificar dimensões (atribuirLados
), nesse caso as pós-condições do método são conflitantes com uma invariante da subclasse. Eliminando mutabilidade eliminamos esse problema (Fonte: Wikipedia).
Guidelines
Um guia de perguntas para direcionar uso de interfaces / composição vs herança.
No Universo do seu problema:
- Determinada classe sempre "é" uma instância da superclasse ou apenas pode se comportar como tal? No primeiro caso favoreça herança, no segundo composição.
- Na hierarquia atual existem classes que naturalmente pertencem a outras cadeias hierárquicas com o mesmo comportamento e grupo de atributos (veja que existe é mais forte do que "poderão existir")? Se sim favoreça composição.
- O comportamento em questão é intercambiável? Ou seja, você precisa que determinadas instâncias de uma classe tenham comportamento
X
e outras comportamento Y
? Você precisa mudar o comportamento de uma instância dinamicamente? Se sim favoreça composição.
- O funcionamento da sua classe como um todo depende de atributos e métodos do parente? Ou esse comportamento apenas demonstra uma "faceta" da sua classe? No primeiro caso favoreça herança, no segundo composição.
Conclusão: Existem diversas ocasiões em que o uso de herança é perfeitamente aceitável, é possível agrupar comportamentos e atributos de maneiras que não ferem o princípio de Liskov, ou ainda refatorar esses objetos para eliminar problemas sem introduzir composição. Quando determinado comportamento e conjunto de atributos é exclusivo de uma cadeia, não há mal nenhum em mantê-lo nessa cadeia.
SOLID / Liskov e Overengering
Atenção: Texto Opinativo
Existe uma pergunta implícita na pergunta no @utluiz: "Ferir o princípio de Liskov é aceitável?".
Eu já fui muito mais "purista", sempre tinha uma receita de bolo com design patterns (encontrava sempre ocasiões para aplicar padrões como Visitor), criava vários wrappers desnecessários para obedecer a Lei de Demeter, carregava meu modelo de genéricos, lower bounds, upper bounds, etc pois tudo havia de ser corretamente tipado, genérico e extensível. Depois vivi uma fase da pureza funcional, imutabilidade, mônadas, tipos existenciais e assim por diante. Com o tempo percebi que as linguagens introduziram novos construtores que redefiniram o uso e a aplicabilidade de boa parte dos design patterns que eu pregava; também aprendi que é perfeitamente aceitável (e desejável) mutabilidade por aqui e por ali, e hoje não tenho reservas em relação a um cast
explícito e ou um typeof
bem encapsulado se isso me poupar várias linhas de "acrobacias" com o sistema de tipos.
Obedecer ao princípio de Liskov (bem como aos outros princípios SOLID) é, com certeza, benéfico. Em especial o princípio de Liskov elimina todo um conjunto de possíveis defeitos em que a API é utilizada ou estendida de maneiras que não foram pensadas pelo desenvolvedor. Garantir que subtipos não possuam pré-condições mais fortes do que as do tipo herdado, garantir que subtipos não possuam pós-condições mais fracas que as dos seus supertipos, preservar invariantes e o histórico de modificações, essas são todas características desejáveis em um sistema robusto. Como é razoavelmente simples quebrar essas regras podemos chegar a extremos, um deles é a linha de pensamento "sempre use composição para evitar ter que refatorar o código no futuro".
Dito isso, na prática precisamos pesar o fator complexidade da API. É importante pensar em quem vai dar manutenção e em quem vai consumir o código. Antes de refatorar um código simples em outro mais complexo para satisfazer determinada diretriz é sempre bom pensar:
- O que é melhor para quem dará manutenção nesse sistema?
- Quais as chances do mantenedor ter problemas com o código como ele está vs após o refactoring?
Muitas vezes tornamos o sistema muito mais complicado do que ele precisa ser assumindo que determinada API "poderá" ser utilizada ou estendida de maneira errada... Ou ainda fazemos isso para satisfazer cornes cases que simplesmente não acontecem na prática.
Hoje eu prefiro simplicidade à pureza. As vezes um comentário é uma solução bem melhor do que refactoring :D.
Existem situações em que herança se encaixa melhor do que composição e vice-versa. Minha escolha é sempre pelo modelo mais natural para representar determinada situação. Se a herança ferir o princípio de Liskov mas ainda for a técnica de abstração mais natural, produzindo comportamento "sensato" (e.g., Para a classe Quadrado
o método atribuirLados
poderia lançar uma exceção quando a altura for diferente da largura, isso seria comportamento "sensato" que fere o princípio de Liskov) eu não vejo motivo para introduzir mais complexidade na API. Por outro lado se eu me encontrar "brigando" com a modelagem em várias ocasiões (e.g, necessidade de estados mutáveis e problemas do tipo circle-ellipse em linguagens de programação sem mecanismos adequados para representar o modelo) está na hora de repensar a modelagem e parar de brigar com o código.
É claro que um programador não aprende a diferenciar "exceções à regra" que causam problemas sozinho. A melhor maneira para isso, além de escrever muito código, é estudar APIs complexas e perceber em que situações o uso indevido de herança causou problemas e foi refatorado ao longo do tempo. APIs de Toolkits, Frameworks, coleções, bibliotecas de testes unitários, etc são todos excelentes candidatos a estudo (classe, interfaces e métodos deprecated são seus amigos). Com o tempo fica claro o que pode ser utilizado em cada situação e os trade-offs de cada modelo.
traits
emixing
(composição com cara de herança). Mas sinceramente? Estamos entrando em um nível de academicismo típico de fóruns de Haskell (com todo o respeito ao pessoal). Chega uma hora em que temos que sacrificar pureza por praticidade. Esse tipo de decisão é visceral, não técnica. Overengering é um problema muito mais grave na prática do que deturpação de princípios acadêmicos.Animal
: não vejo problema numa subclasse ser radicalmente diferente da superclasse, desde que - no que diz respeito ao uso comum e agregado - ela seja compatível com o tipo base. Se todo animal temcomer
,dormir
,fazerNecessidades
eetc
, masGato
implementaetc
como "pegar ratos" eCachorro
implementaetc
como "enterrar ossos", você ainda pode ter uma coleção deAnimal
que mistura cachorros e gatos e que chama seus métodos polimorficamente. A principal função deetc
seria então seus efeitos colaterais.