Acho que partir para uma transação distribuída é o último caso usando micro serviços.
Eu entendo que certas atividades de uma solução são isoladas e podem
ser um microsserviço fácil. Mas outras me parecem integradas demais
para poderem ser separadas.
É provável, então, que elas não devam ser separadas.
Mais ainda, o que pode parecer se mostrar ótimo isoladamente, mas
depois parece um caso que precisa de uma integração.
Por esta razão que cada micro serviço precisa ter um propósito bem definido e isolado dos demais. Quando um micro serviço precisa muito de um outro, é porque provavelmente eles deveriam ser um único micro serviço.
Por estas e outras eu sou partidário do Monolyth First: somente após você conhecer bem as regras de negócio e alguns domínios da sua aplicação, a equipe será capaz de fazer a separação de forma tranquila e sem surpresas. Temos que abandonar a ideia de que um monolito é uma arquitetura datada pois em muitas circunstâncias (na maioria, eu diria) ela não é.
Contudo, é preciso admitir exceções. Por exemplo, se você estiver trabalhando com uma equipe grande (mais de 10-15 pessoas) e a equipe tiver um bom domínio da regra de negócio, um monólito nesta situação pode ser um erro, pois são muitas pessoas trabalhando em uma mesma base de código. Neste caso, partir direto para micro serviços pode ser uma boa estratégia, onde as pessoas podem ser divididas em equipes menores e cada equipe possa focar em um micro serviço diferente.
Especificamente penso em transações. Qual é a solução quanto você faz
uma venda e deve atualizar diversas tabelas de dados?
Se você está falando de diversas tabelas em diferentes bancos de dados, a ideia com micro serviços é que cada micro serviço tenha seu banco de dados próprio e não compartilhado com outros micro serviços, sendo que cada micro serviço consiga conversar de forma não transacional com os outros micro serviços. A última coisa que você quer em uma "arquitetura" micro serviços é uma transação distribuída.
Esta técnica é conhecida como consistência eventual. Seus micro serviços precisam ser preparados a estar em um estado inconsistente durante algum tempo e, eventualmente, estarão consistentes.
Um exemplo
Você quer salvar uma pessoa e suas permissões de acesso. A pessoa é salva em um micro serviço ms-pessoa
e as permissões no micro serviço ms-permissao
.
Ao invés de salvar uma pessoa se suas permissões também forem salvas no outro micro serviço, você vai salvar pessoa
e avisar ao micro serviço permissão
para salvar as permissões. O ms-pesssoa
vai retornar que está tudo "ok" para o usuário ao salvar a pessoa mesmo sem uma resposta de que deu tudo certo com ms-permissao
.
A ideia então é que o ms-pessoa
acesse as suas permissões em ms-permissao
, preparado para encontrar (ou não) as permissões e saber lidar com isto da sua forma.
Claro que algo pode dar errado ao salvar as permissões. Aí que entra uma das dificuldades ao usar um uma arquitetura de micro serviço. Nestes casos a solução (ou prevenção) apresenta-se em diferentes opções:
- Resolver o problema no
ms-permissao
e tentar reprocessar a mensagem com as permissões.
- Dar um "rollback" no salvar pessoa ao perceber o problema. Esta ação pode ser simplesmente remover a pessoa ou alterar algum tipo de status que ela tenha.
- Marcar a pessoa com um status "inativo" até ter certeza que deu tudo certo no
ms-permissao
.
- Intervir manualmente nas mensagens para resolver o problema.
- Enviar uma mensagem síncrona: também conhecida como RPC (Remote Procedure Call), ela também pode ser feita via mensagens, por uma request HTTP (tomando os devidos cuidados), etc. A chamada ocorre para o serviço de permissões e aguarda a resposta dele antes de continuar a criação da pessoa. Não é a forma esperada de se comunicar com micro serviços, mas pode te ajudar em alguns casos que certo micro serviço precisa fazer algo por você antes de continuar seu processamento e você não quer lidar com a consistência eventual. O abuso de RPC costuma ser um sintoma que seus micro serviços estão mais separados do que deveriam.
- Se o micro serviço de permissões
ms-permissao
pertencer a uma outra empresa/sistema, no qual você não tem controle e não sente confiança suficiente, talvez seja necessário adotar o conceito de Poison Message Processing para lidar com os possíveis problemas de integração.
E etc.
Muitas das soluções acima só ficam viáveis com a implementação também de uma fila DLQ (Dead Letter Queue) para a fila que apresentar algum problema na entrega da mensagem. Assim, as mensagens problemáticas vão para esta fila e ficam aguardando uma decisão a ser tomada: enviar a mensagem novamente para a fila, corrigir algo na mensagem e enviar a mensagem para a fila principal, usar a própria mensagem com problema para fazer o rollback mencionado anteriormente, etc.
Este exemplo de usuário e permissões é bem crítico, talvez eles não deveriam estar separados. Mas é interessante para mostrar um cenário mais complicado.
Tudo tem que estar em um microsserviço único?
Aí estaríamos sempre fadados a termos sistemas monolíticos :).
Outra alternativa: as Business Transactions
As Business Transactions é uma técnica para criar uma cadeia de eventos que inclui fluxos com eventos para desfazer ações. Tal como o rollback, mas implementada de forma manual.
Vamos a um novo exemplo. Imagine que você tenha 3 serviços: ms-pedido
, ms-estoque
e ms-pagamentos
.
O usuário faz um novo pedido e o evento PEDIDO_CRIADO_EVENTO é enviado. O ms-estoque
e ms-pagamentos
processam este evento. Tudo ocorre bem no ms-pagamentos
, mas o ms-estoque
verifica que não tem o produto em estoque. Neste caso, o rollback poderia ocorrer desta forma:
- O
ms-estoque
envia o evento PRODUTO_INDISPONIVEL_EVENTO,
- O
ms-pedido
e ms-pagamentos lêem o novo evento
- O
ms-pedido
vai cancelar o pedido
- O
ms-pagamentos
vai extornar o pagamento
No final das contas, só tenho duas opções?
Os desenvolvedores costumam pensar nos extremos: um grande monólito vs um monte de micro serviços trocando mensagens entre si. Isto é um erro. Não precisamos nos vender a nenhum destes extremos.
Podemos ter em um mesmo sistema aplicações maiores para cuidar de alguns problemas transacionais que não temos tempo/dinheiro para lidar de outra forma e, sempre que couber, micro serviços independente com funções bem definidas.
Algo importante para evitar a perpetuação do monólito é ter, desde o começo, uma infra-estrutura preparada para lidar com micro serviço. Se deseja usar no futuro uma arquitetura que comporte micro serviços, usando Docker, Kubernetes e etc, você e sua empresa já estarão preparados para isto.
CAP
?