O que seria o Machine Learning?
Machine Learning pode ser traduzido simplesmente como Aprendizado (ou Aprendizagem) de Máquina (ou Computacional). O termo se refere a um enorme conjunto de técnicas que visam construir sistemas computacionais cujo comportamento seja definido com base em dados existentes. Como o comportamento do sistema não seria diretamente programado, mas sim adaptado de algum "conhecimento" previamente adquirido, essa abordagem teria similaridade com a forma como animais (entre eles, nós humanos) aprendem com a experiência.
Ele está relacionado à (ou é uma forma de) Inteligência Artificial?
Certamente que sim. Definir concisamente o que é inteligência é uma tarefa árdua, pois a inteligência tem diferentes aspectos importantes. O reconhecimento e manipulação de símbolos, a linguagem e a comunicação verbal e escrita, a visão, o planejamento, a adaptação com base em experiências (também chamada de aprendizado), etc. A Inteligência Artificial, como sub-área da Engenharia/Ciência da Computação, tem várias preocupações, e uma delas é simular a adaptação e o aprendizado para a resolução de problemas complexos. Se você observar o diagrama do modelo geral de um agente inteligente a seguir, e que eu mencionei originalmente na minha resposta sobre o que é inteligência artificial, perceberá que aquela caixinha com a interrogação precisa conter toda a "lógica" que permitiria ao agente perceber as mudanças no mundo com os sensores (sensors) e decidir a melhor forma de manipular o mundo segundo suas intenções com os atuadores (effectors):
Certamente, aprendizado estaria ali, sendo um importante aspecto da inteligência (artificial).
Que exemplo mais simples podemos citar a respeito desse assunto?
Da mesma forma que é difícil definir o que é inteligência, também é difícil definir concisamente o que é aprendizado. A noção mais trivial (e que interessa no escopo da Ciência da Computação) é de que aprendizado é a capacidade de se adaptar com a experiência. Um sistema computacional inteligente seria capaz de aprendizado se alterasse seu comportamento conforme observasse os efeitos das ações próprias e de outros no ambiente em que atua. O oposto de tal sistema é aquele que insiste em determinada ação mesmo que ela já se tenha demonstrado como inefetiva para seus propósitos (apesar de que continuar fazendo a mesma coisa na espera de resultados diferentes é, segundo creditado a Einstein, a definição de insanidade e não de burrice. hehehe).
Adaptação é algo ainda amplo. Por exemplo, os primeiros modelos computacionais de autômatos celulares, particularmente o famoso Jogo da Vida (quem tiver tempo sobrando, brinque com uma implementação dele em Javascript neste link), buscavam construir sistemas capazes de se replicar. Se essa cópia de si mesmo não for exatamente igual à anterior, ela pode permitir/implementar a adaptação conforme necessidades especiais do ambiente de uma forma similar ao que ocorre na evolução. De fato, um paradigma parecido e chamado de Algoritmos Genéticos usa um princípio similar de adaptação de indivíduos para realizar buscas e/ou otimizações interessantes na resolução de problemas. Porém, dizer que esse tipo de abordagem é aprendizado de máquina é bastante discutível.
O aprendizado de máquina involve mais tradicionalmente a construção de sistemas capazes de extrair informações a partir de dados conhecidos e utilizar esse comportamento aprendido para a resolução de novos problemas. Por isso, muitas das técnicas utilizadas nessa área são também utilizadas em estatística, business intelligence, data mining (mineração de dados), data science, etc. De fato, há basicamente três abordagens principais no aprendizado de máquina:
1. Aprendizado Preditivo ou Supervisionado
Nesse tipo de abordagem, o algoritmo utiliza como entrada um conjunto prévio de dados coletados do mundo real e utilizado para "treinamento" antes do uso propriamente dito (dai a palavra "supervisionado"). Esse conjunto de dados tem uma parte (geralmente chamada de x
) que contém as características de interesse do problema (imagine x
como um vetor de valores quaisquer, de forma que o conjunto de dados contém várias linhas x1
, x2
, x3
, etc, para cada exemplo coletado do mundo real), e outra parte (geralmente chamada de y
) que contém o o valor que decorre das características em x
ou a classe dos exemplos do mundo real (imagine que cada y1
, y2
, y3
indica o que as respectivas linhas x1
, x2
, x3
descrevem ou representam). Assim, a ideia é que o sistema "aprenda" o mapeamento entre x
e y
a partir dos dados de treinamento, para que posteriormente seja capaz de "prever" o valor de y
para um novo x
, isto é, o valor de uma função ou a classe a qual um novo exemplo (um novo vetor com todas as características medidas) pertence.
O exemplo de "algoritmo" mais comum nesse tipo de abordagem é a Regressão Linear. Com esse método, é possível estimar uma função linear (uma equação da forma y = ax + b
) que descreva o comportamento de um conjunto de dados (um mapeamento x -> y
) segundo uma correlação linear. Tendo-se "aprendido" essa função, é possível estimar o valor de y
para um novo x
qualquer apenas utilizando-a com os novos parâmetros.
Outros algoritmos podem, ao invés de tentar estimar um valor numérico, predizer um valor enumerativo, que "classifica" um vetor x
com as medidas de algo de interesse. Por exemplo, poder-se-ia construir um sistema capaz de identificar em imagens de laranjas as opções "podre" e "boa", ou identificar objetos móveis em um vídeo entre as opções "carro", "moto" e "caminhão". Para uma explicação mais detalhada dessa abordagem, e também alguns outros exemplos concretos, por favor leia esta minha outra resposta aqui no SOPt.
Os perceptrons, mencionados pelo colega @Gomiero em sua resposta, e as redes neurais fazem essencialmente esse mesmo mapeamento (a saída de um neurônio pode indicar um valor, se usado para regressão, ou uma classe, se usado para classificação), e por isso são geralmente considerados métodos de aprendizado supervisionados (apesar de que as redes neurais podem também ser usadas para extrair padrões interessantes de dados, no sentido do próximo tipo de aprendizado). Mas há outros métodos que convém estudar. Como, por exemplo, as árvores de decisão indutivas, em que os dados de treinamento são utilizados para construir uma árvore de verificações que decide a classe de um vetor. Uma árvore de decisão nada mais é do que uma sequência de if's encadeados que verificam cada um dos atributos do dado (os valores do vetor x
) para decidir qual é a resposta (y
). Há algoritmos que permitem construir a árvore a partir de dados de treinamento, como o ID3, que utiliza a entropia nos dados para decidir quais atributos verificar antes dos demais (por oferecer ganho mais imediato a cada decisão).
2. Aprendizado Descritivo ou Não-Supervisionado
Nessa abordagem o algoritmo não recebe um conjunto de dados prévio para aprender um "mapeamento". A ideia é que o sistema seja capaz, por si só (dai a expressão "não-supervisionado"), de extrair padrões interessantes dos dados. Enquanto que na abordagem anterior o sistema é alimentado com pares de dados (de entrada e exemplos de saída) na fase de treinamento, nesta abordagem o sistema é apenas alimentado com os dados de entrada - a saída é diretamente deduzida.
Um exemplo bacana e simples de algoritmo muito utilizado na abordagem não-supervisionada é o K-Médias (ou K-Means). O "k" advém do número de classes desejado (isso é o mínimo que o projetista deve saber do problema). O algoritmo funciona assim:
- Primeiro, se escolhe aleatoriamente k vetores para os prováveis centros dos grupos.
- Então, as distâncias entre os demais vetores e esses centros são calculadas. Os vetores mais próximos dos centros temporários são "agrupados" a eles.
- Para cada grupo se calcula o "centro geométrico" do grupo (que é basicamente o valor médio de todos os dados no grupo - dai o restante do nome do algoritmo), e assim o centro do grupo é alterado para esse centro geométrico obtido.
- Os passos anteriores são repetidos até que o sistema atinja a convergência (isto é, os centros dos grupos não mais se alterem).
Uma ilustração visual do algoritmo, para um problema com k=2 (isto é, duas "classes" nos dados), é a seguinte (a imagem a seguir é um gif animado - cada quadro tem 4 segundos de duração):
Seu uso é bem amplo. Por exemplo, no processamento de imagens, pode-se muitas vezes fazer a segmentação (extração) de elementos de interesse utilizando esse algoritmo. Os "pontos" de dados são os valores dos pixels (intensidade luminosa em uma das bandas RGB ou, mais comumente, em tons de cinza), e o número de classes é dado pelo projetista, que conhece quantos "elementos" se encontram na imagem. O exemplo concreto a seguir foi extraido do meu mestrado: em uma imagem microscópia capturada de uma placa de alumínio submetida a jateamento com granalhas de aço (imagem da esquerda), eu precisava separar as crateras (impactos das esferas/granalhas) do resto da imagem (para fazer uma medição importante no processo). Sabendo que a imagem contém essencialmente três elementos (a placa, as estrias e as crateras), eu usei o K-médias com k=3 pra agrupar os pixels nesses três grupos (imagem do meio) e depois escolhi o grupo de valor médio mais escuro jogando o resto fora (fazendo se tornar branco), pra gerar uma imagem (imagem da direita) apta a continuar sendo tratada por outros algoritmos:
Outro exemplo de uso desse algoritmo é em jogos. Tendo-se uma base de dados coletada com informações do desempenho de jogadores em um jogo ao longo de um intervalo qualquer de tempo, pode-se processar os dados usando o K-Médias pra "automaticamente" inferir três agrupamentos (novamente, k=3). Como os dados tratam de desempenho, os grupos podem ser imaginados como sendo as caracterizações de novato, intermediário e especialista, por exemplo. Tendo-se esses grupos bem definidos (pelo vetor central de cada grupo), um novo jogador pode ser automaticamente classificado como pertencente a um desses grupos com base na distância aos centros (ele essencialmente pertence ao grupo que está mais próximo).
Há outros algoritmos que convém estudar, como por exemplo o K-NN (k-vizinhos mais próximos).
3. Aprendizado por Reforço
Nessa abordagem o sistema requalifica suas regras de avaliação com base em feedbacks observados do mundo. Diferentemente das abordagens anteriores, em que uma massa de dados é utilizada para construir um modelo de predição ou inferir um padrão interessante, nesse caso o sistema é construido essencialmente como uma máquina de estados estocástica (de transição não determinística), em que os nós são estados do mundo e as transições são ações que podem ser executadas levando de um estado a outro. As transições têm "recompensas" associadas, que podem ser ajustadas conforme os estados efetivamente alcançados de forma não-determinística são comparados aos estados esperados.
Eu admitidamente tenho pouquíssima (quase nenhuma, na verdade) experiência com essa abordagem, então a minha explicação é bem simplista. De todas as formas, todo o que eu expliquei até aqui definitivamente não cobre o que se pode estudar em aprendizagem de máquina. Por exemplo, há muitas abordagens que são inerentemente probabilísticas, como os filtros de partículas, e que podem ser entendidas como aprendizagem por reforço no sentido de que o estado atual é constantemente refinado com base no ajuste das probabilidades.