A principal vantagem do case sensitive é aumentar o conjunto de símbolos (nomes) possíveis. O principal impacto nas linguagens tradicionais é a criação de uma relação implícita entre um tipo e uma instância desse tipo. Outro menos empregado (Prolog, Erlang) é a possibilidade de dar tratamento semântico diferenciado dependendo da capitalização. Por fim, há questões práticas envolvendo a compilação e gestão do runtime, em que a implementação de uma linguagem case sensitive é mais simples.
A principal vantagem do case insensitive é a facilidade de memorização dos símbolos da linguagem, e a consequente redução dos erros relacionados à capitalização incorreta.
Tipos vs. instâncias
Na linguagem natural, um nome tem a função de representar unicamente um conceito. Há colisões (ex.: manga fruta ou manga da camisa), mas elas são raras e normalmente se remove a ambiguidade pelo contexto. Numa linguagem formal (ex.: vocabulário controlado, taxonomia, thesaurus, ontologia) a unicidade dos nomes é obrigatória, e isso se aplica especialmente a programas de computador - onde a ambiguidade seria um empecilho para o tratamento automatizado do texto.
Entretanto, a ambiguidade não é sempre ruim: na presença de contexto, usar o mesmo nome para representar coisas distintas - porém relacionadas - não só causa pouco prejuízo como também é útil. Se eu digo "cachorro" isso se remete a um tipo de animal. Se eu digo "um cachorro" falo de um espécime desse mesmo animal. Se digo "o cachorro" não só é um espécime qualquer desse animal, mas um específico, que talvez já tenha sido mencionado anteriormente ou então seja único dado o contexto (ex.: se há somente um cachorro num conjunto de animais). Isso facilita a comunicação.
Da mesma forma na programação se busca muito a concisão, já que ela é uma medida da expressividade da linguagem. Porém, essa concisão precisa sempre ser pesada contra a clareza do código ("programas são feitos para humanos lerem e só incidentalmente para computadores executarem"). Na ausência desses "atalhos" semânticos, busca-se outras formas de fazer o nome de algo remeter a um conceito:
- sigils (
$foo
é um escalar, @foo
é um array);
- Notação húngara (
iSize
é um inteiro, szLastName
é uma string terminada em nulo);
- Convenções de nomes (
IFoo
é uma interface, _foo
é um campo privado).
- etc.
Essas convenções são em geral implícitas, mas acabam por cumprir o papel de auxiliar na comunicação da semântica do código para os leitores humanos. E uma convenção semelhante, bastante similar ao caso da linguagem natural mencionado acima, é usar o mesmo nome para se referir a um tipo e uma instância desse tipo:
cachorro = new Cachorro();
Numa linguagem case insensitive, seria necessário usar outro nome, e muito provavelmente o programador escolheria algo como:
oCachorro = new Cachorro();
cachorro1 = new Cachorro();
O que torna o código menos legível. E a propósito, essa tendência dos programadores de usar o mesmo nome pra classe e pro objeto fica evidente quando a classe tem o mesmo nome de uma palavra reservada. Veja se isso parece familiar:
clazz = new Class();
Escolher nomes é difícil. Alguém poderia insistir "ora, mas é só dar um nome diferente pra variável, tipo rex = new Cachorro()
", mas na prática isso dificulta a compreensão. Mesmo que o programador se atenha a um estilo particular de codificação (classe começa com maiúscula, variável com minúscula, constante é tudo maiúscula) ele perde essa associação semântica implícita do tipo com a instância. Ou no mínimo é forçado a adotar uma convenção diferente, como as exemplificadas acima.
Semântica diferenciada
Na maioria das linguagens qualquer diferença entre símbolos capitalizados ou não é puramente convencional. Mas nada impede - e eu sou da opinião que seria um grande avanço - que o compilador "force" essa convenção (como sugerido na resposta do Victor Stafusa). Isso não só cria consistência como pode aumentar a expressividade, como acontece por exemplo na linguagem Prolog.
Prolog (e outras linguagens inspiradas nesta, como Erlang) faz distinção entre maiúsculas e minúsculas e - no caso específico da primeira letra do nome - dá um tratamento semântico diferenciado para o mesmo: foo
é um "átomo" (constante) e Foo
é uma variável. Isso parece um detalhe bobo, mas na minha experiência com essa linguagem o ganho em expressividade é enorme.
A título de exemplo, algumas linguagens modernas possuem uma característica chamada destructuring assignment/bind, como por exemplo Python:
for chave,valor in dicionario.items():
Se Python desse suporte à unificação tal como Prolog, seria possível fazer ao mesmo tempo um destructuring bind, uma verificação de tipos e até mesmo uma filtragem em uma única expressão:
# Assumindo uma estrutura de dados Cachorro(nome, raca, idade)
for chave,Cachorro(nome, MALTES, sqrt(4)) in dicionario.items():
print(nome)
# que seria equivalente a:
for chave,valor in dicionario.items():
if isinstance(valor, Cachorro):
nome = valor.nome
if valor.raca == MALTES: # Assumindo que MALTES é uma constante global
if valor.idade == sqrt(4):
print(nome)
Se a linguagem fosse case insensitive, por outro lado, essa unificação não seria possível. Como o compilador saberia que:
- Não é pra chamar
Cachorro(...)
como uma função, mas sqrt(...)
sim;
nome
é uma variável, que deve receber como valor o primeiro campo da instância sendo iterada;
- Já
MALTES
é uma constante, que deve ser comparada com o segundo campo da instância sendo iterada?
Note que tudo isso poderia ser feito como sigils, quotes (ex.: Lisp), etc, mas repare como o código fica "limpo" sem a poluição visual dos símbolos especiais por toda parte.
(P.S. Um exemplo mais "relatable" é o caso das expressões regulares: \w
pega uma classe de caracteres, \W
nega essa classe. Se regexes fossem case insensitive se teria de "gastar" um símbolo a mais, tornando a linguagem um pouco menos densa.)
Memorização e capitalização incorreta
Já é difícil memorizar os nomes de todas as classes, funções, etc de uma API, de modo a ser produtivo na mesma sem ter que ficar toda hora voltando pra consultar uma referência. Se o uso da capitalização não for muito consistente, acaba-se por ter que memorizar também a mesma, e isso não é algo a ser subestimado: nosso cérebros são bons pra memorizar conceitos (e os orientais são ainda melhores que os ocidentais), mas nem tanto pra memorizar símbolos e grafias:
- Se você tentar memorizar "dona de casa", provavelmente seu cérebro armazenará isso como uma sequência de sons (ˈdɔ nɑ dɪ ˈkɑ sə).
- Um oriental poderia memorizar isso como uma imagem, o que é ainda mais fácil (婦).
- Já um programador teria de se preocupar também com a forma de escrevê-la:
dona de casa
? Não, pois identificadores não podem ter mais de uma palavra;
dona-de-casa
? Não, pois -
é um operador;
dona_de_casa
? Pode ser... ou seria donaDeCasa
?
DonaDeCasa
? DONA_DE_CASA
? Deixa ver, estou tratando de uma variável, classe ou constante?
Se uma linguagem seguir uma convenção rígida de capitalização, e principalmente se o compilador impuser essas regras (como também já abordado na resposta do Victor) então o problema não é tão grande. Mas quando se começa a usar acrônimos a coisa fica mais complicada:
IDCachorro
ou IdCachorro
?
UTF8Regex
, Utf8Regex
, UTF8RegEx
ou Utf8RegEx
?
A menos que o compilador saiba o que é um ID
, que existe algo chamado UTF8
, que regex
significa REGular EXpression
, etc, nada impede que um programador defina algo perfeitamente válido dentro do estilo de codificação de uma linguagem, e outro programador não saiba como soletrá-lo...
A frustração com essa situação tem sido um dos argumentos mais apresentados em favor do case-insensitive. Por consistência, há quem defenda case-preserving, case-insensitive, que no meu entendimento significa "não importa a capitalização, mas após um símbolo ser declarado pela primeira vez exija que ele sempre seja grafado da mesma maneira". Pessoalmente, vejo isso como o pior dos dois mundos: perde-se todas as vantagens do case sensitive, mas continua-se obrigando o programador a memorizar a grafia do nome... (ou estaria minha interpretação desse conceito incorreta?)
De todo modo, há ao menos uma vantagem inequívoca no case insensitive: se a API definiu RegEx
e o programador escreveu Regex
, ele não vai tratar ambos como se fossem coisas distintas. Se a linguagem exigir que toda variável/tipo/etc seja declarado, e não permitir que o mesmo seja declarado mais de uma vez, não há problema (caso contrário se estaria simplesmente trocando falsos negativos por falsos positivos). Facilita-se o processo de aprendizado da linguagem e suas APIs, em troca de uma redução no conjunto de nomes usáveis.
Questões práticas
Por fim, há as implicações práticas de se adotar um ou outro modo. Boa parte delas já foi descrita tanto na resposta do Victor quanto na minha resposta à pergunta relacionada: o esforço maior por parte do compilador/interpretador para normalizar os nomes (em relação ao Unicode), convertê-los para uma forma única e realizar o interning. Mas mais importante que essa complexidade ao implementar (que por sinal é função do computador mesmo, tornar a vida dos humanos mais fácil, mesmo que o projetista do compilador tenha de se esforçar mais pra isso) é a questão da localização, em que o mesmo programa pode ter uma interpretação diferente caso mudanças de capitalização sejam parte integrante do seu processo de compilação.
A título de exemplo, numa linguagem case insensitive como um compilador no locale turco trataria nomes como MAİL
e maıl
? E como um compilador "internacional" trataria os mesmos? A expectativa do programador turco seria atendida ou frustrada por qualquer um dos compiladores, e qual? Como usuário de sistemas que nem sempre tratam bem do Unicode, sei como esses detalhes podem encher o saco e fazer passar raiva. Se tivesse que me preocupar com eles também ao desenvolver (em que minha atenção está toda "gasta" com o problema em mãos) creio que acabaria por rejeitar uma linguagem que não tratasse muito bem disso...
Conclusão
Os tradeoffs me parece ser basicamente os seguintes:
- Facilidade de memorização (case insensitive) vs. expressividade semântica (case sensitive);
- Falsos positivos (case insensitive) vs. falsos negativos (case sensitive) ao determinar se dois nomes se referem à mesma coisa.
E as demais características da linguagem têm influencia nesses fatores, por vezes melhorando de um lado e piorando do outro. Ex.: se Python se tornasse case insensitive aumentaria o número de colisões de nomes de variáveis, e se pra contrabalancear isso a declaração de variáveis se tornasse obrigatória (ex.: var RegEx
) reduziria-se a concisão.