TL;DR
Gamificação é a mesma coisa que competição?
Definitivamente esses conceitos não são a mesma coisa. A competição é um elemento que pode ser utilizado em um processo gamificado, mas não é o único elemento interessante ou necessário.
Gamificação
Um dos primeiros estudos de gamificação de forma científica foi realizado por Deterding et al. em 2011 (o termo entrou na moda por volta de 2010). Para esses autores, a definição de gamificação é:
Gamificação é o uso de elementos do projeto de jogos em contextos que
não são jogos.
Tradução livre do original em inglês: Gamification is the use of game design elements in non-game contexts.
Isso quer dizer que podemos utilizar técnicas e ferramentas tradicionalmente utilizadas para se construir jogos no projeto de qualquer produto (software ou não) cuja intenção primária não seja o entretenimento. E por que alguém faria isso? Porque, diferentemente daquele seu trecho de código que você manda executar e ele obedece, humanos precisam ser motivados a agir de alguma forma - e a diversão é um grande motivador intrínseco (por intrínseco entenda que não depende de benefícios externos óbvios como dinheiro, comida, promessa de ganhos futuros, etc).
Ok, mas e a Competição?
Acontece que esse assunto é complexo. A própria definição de gamificação tem uma fronteira muito nebulosa, principalmente porque definir o que é jogo também é difícil (se tiver interesse, leia a respeito da rixa entre Narratologistas e Ludologistas). Eu gosto da definição de Deterding et al. principalmente quando ela é considerada juntamente com o trabalho de Fullerton:
A imagem acima é baseada nos dois trabalhos citados. A ideia de Deterding et al. é que existem dois eixos que definem os diferentes tipos de produtos/tarefas que utilizam técnicas de design de jogos. O eixo horizontal, chamado "Todo-Parte", indica se o produto/tarefa é considerado como um todo (isto é, como algo único ou monolótico) ou em partes (isto é, composto de coisas ou atividades menores). O eixo vertical, chamado "Brincar-Jogar", indica a intenção do usuário ao utilizar o produto ou realizar a tarefa.
A contribuição de Fullerton no detalhamento do eixo vertical demonstra que o nível de interação auxilia ainda mais nessa classificação: a interação não envolve apenas tocar e mover, mas também esforço cognitivo necessário para reconhecer um objetivo e planejar as ações necessárias para alcançá-lo. Assim, quanto mais interação é necessária, mais próximo um produto/tarefa está de um jogo; quanto menos interação, mais próximo está de uma mera narrativa (um livro, um filme ou uma peça de teatro, por exemplo).
É claro que essa definição é discutível, mas ela me parece útil para entendermos que Gamificação trata-se de utilizar esses conceitos de design para intimamente construir tarefas compostas por várias partes, mas que tenham não somente um objetivo como uma condição de vitória (importantes do ponto de vista do utilizador). Outra coisa clara nessa definição é que um processo gamificado é bem distinto de um jogo para entretenimento, e também de um "jogo sério": um jogo (um produto "Todo") que é utilizado com um propósito diferente do mero entretenimento (como, por exemplo, quando jogos do Wii Motion são utilizados para ajudar na fisioterapia).
A competição pode fazer parte em qualquer desses tipos de produtos, até mesmo em brinquedos/brincadeiras. Mesmo sem ter um objetivo ou condição de vitória, uma brincadeira ainda pode envolver competição em outros aspectos, como em ter o brinquedo mais bonito (vide qualquer interação com brinquedos entre os personagens Chaves e Quico na TV) ou ser o mais capaz de detalhar a narrativa ou fantasia envolvidos na brincadeira.
De todas as formas, adicionar medalhas e listas de pontuações somente é interessante se o utilizador percebe isso como algo valioso para si, e - principalmente - se pode comparar sua pontuação com outros utilizadores para poder experienciar emoções relacionadas à competição (como foi bem colocado pela resposta aceita).
Mas, então, o que há além da Competição?
A complexidade do assunto não para na definição do que é jogo. Também é difícil definir o que é diversão e o que a produz. A competição é certamente um elemento importante na diversão porque envolve desafios (oportunidades de ação que permitam alcançar um objetivo difícil, porém factível), mas não é o único elemento e tampouco é sempre necessária. Esse caráter é um dos mais fáceis de se medir em um jogo. Por exemplo, em um jogo de corrida eu poderia medir o número de vezes que o jogador bateu o carro ou se atrasou, e utilizar essa medida "utilitária" para tentar saber se o jogador está sendo capaz de competir ou não. Se eu concluir que ele está indo muitíssimo mal na competição, eu poderia inferir que ele não está se divertindo? Essa pergunta já foi feita por muita gente, e a resposta parece ser não. Afinal, o jogador pode estar batendo o carro de propósito, aproveitando o passeio e se deslumbrando com os efeitos gráficos das batidas, de modo que se perguntado talvez dissesse que estava se divertido muitíssimo!
Enfim, há muitos outros aspectos que são importantes além do desafio (relacionado à competição). Há centenas de estudos, mas Malone, por exemplo, afirma que os aspectos importantes são Desafio (oportunidades de ação e objetivos claros), Curiosidade (informação sensorial nova e diferente, porém não completamente caótica) e Fantasia (imagens mentais que ajudam a compreender o mundo real ou fictício). O tal modelo MDA (uma das referências mais conhecidas na área) já evoluiu isso pra outros aspectos, incluindo o aspecto social, de exploração (do mundo e do eu), e até mesmo o mero esforço pra gastar tempo (que os autores chamaram de "submissão").
Mas, você quer ter uma visão bem resumida (e fantástica) sobre o que realmente está "em jogo" (pun intended) além da competição? Então dá uma estudada num outro modelo chamado The 4 Keys 2 Fun, da Nicole Lazzaro. A seguir eu reproduzo a imagem do modelo da Nicole (os direitos são todos da autora, eu reproduzo aqui em fair use apenas com a inteção de divulgação do conhecimento e do trabalho da autora, que está livremente acessível no site referenciado acima). Vale muito também acessar o blog da autora, ler seus trabalhos e, principalmente, assistir sua palestra no TED Talks.
Como você vai perceber, esse modelo indica que a competição (que envolve a busca por vencer desafios, seja sozinho - contra si mesmo - ou em grupo - contra outros) é apenas parte da diversão. Há também o aspecto social (interagir com outras pessoas, criar laços afetivos, e passar tempo com os amigos), o aspecto da curiosidade (permitir a exploração de fantasias e a satisfação da imaginação) e o aspecto do propósito (pensar, sentir e se comportar de forma a fazer a diferença no mundo e na vida de outras pessoas).
Na sua pergunta você diz:
"Isso prova a relação direta da gamificação com a competição como
forma de engajamento"
Eu diria que isso prova que a competição tem sua função. Além de motivar certos tipos de pessoas pela competição, os votos do StackOverflow também têm um caráter estigmértico ao fazer com que conteúdo com mais votos (positivos ou negativos) atraiam cada vez mais atenção e consequentemente tendam a ganhar mais votos. Porém, um website ou uma terefa que deva ser gamificada deve buscar também outros aspectos para a motivação das pessoas, explorando suas emoções também com laços sociais, com elementos visuais e sonoros curiosos, e por aí vai.