Linguagem VHDL
VHDL é a sigla de VHSIC Hardware Description Language, onde VHSIC é a sigla de Very High Speed Integrated Circuits; ou seja, em uma tradução livre, significa linguagem de descrição de hardwares para circuitos integrados de altíssima velocidade. O próprio nome diz: linguagem de descrição. O conceito de linguagem de programação é um tanto quanto abstratos (no meu entendimento, pelo menos), pois em um senso mais comum a linguagem de programação é aquela capaz de criar um programa - sequência de comandos que instruem e guiam a execução em hardware para efetuar uma determinada tarefa. Nesta definição, VHDL não é uma linguagem de programação, pois o resultado de um código VHDL não é um programa, mas um circuito eletrônico - na verdade um mapeamento de rotas que definirão o circuito quando gravado em um circuito integrado tal como ASIC ou FPGA. Porém, outra definição aceita para uma linguagem de programação é ser Turing Complete. É possível implementar uma máquina de Turing com VHDL, então isso faz dela uma linguagem Turing Complete, sendo, nesta definição, uma linguagem de programação. Na minha experiência própria, sendo ou não uma linguagem de programação e sendo você iniciante em VHDL, não faça a associação. É muito comum ver pessoas iniciando no VHDL escrevendo códigos da forma que escrevem programas em C/Python/etc e isso causa muita confusão. Enquanto nessas linguagens você sabe que o código é sequencial, um comando executado após o outro, no VHDL ocorre tudo de forma paralela, pois como trata-se de um circuito eletrônico, você não está trabalhando com valores armazenados em uma memória, mas sim de sinais elétricos.
Leituras interessantes:
O que caracteriza uma linguagem de programação?
O que é linguagem de programação, IDE e compilador?
Senta que lá vem história
A história do VHDL é bem simples e muito útil para entender a essência da linguagem. Ela foi desenvolvida pela DARPA, Defense Advanced Research Projects Agency ou Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos Estados Unidos com a finalidade de documentação dos projetos desenvolvidos por terceiros e fornecidos às Forças Armadas. Tratando-se de tecnologia militar, por questões de segurança, uma empresa não tinha acesso ao projeto inteiro e a mesma necessitava desenvolver apenas uma parte dele sem ter conhecimento do resto. Ter inúmeras empresas servindo inúmeras documentações com padrões distintos e esquemáticos de circuitos complexos fazia o processo de unificação destas partes muito dispendiosa. Assim, resolveram criar uma linguagem de descrição de hardware, no qual todos os fornecedores de tecnologia deveriam utilizar para documentar seus produtos, facilitando, então, o desenvolvimento do projeto em si. De início, a única função da linguagem era a descrição do circuito, então não passava de um texto estruturado, porém já estavam estudando concomitantemente uma forma de desenvolver uma linguagem capaz de gerar circuitos a partir de uma definição textual e a estrutura definida pelo VHDL se mostrou bastante promissora. Pouco tempo depois, então, já surgiram os sintetizadores de VHDL, software capaz de gerar o circuito a partir do VHDL, e os simuladores, softwares capaz de simular o comportamento do circuito a partir do código VHDL. Isso tudo aconteceu nos meados dos ano 1980 e já em 1987 a linguagem VHDL foi posta em domínio público, sendo padronizada pela IEEE (IEEE 1076). Em domínio público, como é de se esperar, a linguagem cresceu rapidamente, tendo uma nova versão lançada em 1993, alterações feitas em 2000 e 2002 e a última versão sendo lançada em 2008 - quase 10 anos da última versão e os sintetizadores comerciais ainda não suportam completamente esta versão (ao meu ver, o ponto mais negativo da linguagem).
Aplicações e Uso
Como citado na pergunta, uma das aplicações mais comuns e simples da linguagem é no estudo de circuitos lógicos e álgebra booleana. Muitos livros da área utilizam exemplos em VHDL e muitas universidades utilizam a linguagem como ferramenta no estudo inicial de sistemas digitais. Por exemplo, considerando a porta lógica AND abaixo, é possível identificar duas entradas, A e B, e uma saída, C. O comportamento esperado da porta lógica é apresentado na tabela verdade.
Fonte: https://www.embarcados.com.br/cis-de-portas-logicas/
Com VHDL é possível reproduzir o comportamento desta porta lógica para fins educacionais. Com a palavra reservada entity
é possível criar uma caixa preta, definindo as entradas e saídas do nosso projeto. Neste caso, as entradas A e B e a saída C; todas representam sinais digitais e portanto podem ser representado por um bit. Diz-se caixa preta pois apenas é definido as entradas e saídas do circuito, sem definir seu comportamento. Veja a implementação abaixo:
entity porta_e is
port (
signal A: in bit;
signal B: in bit;
signal C: out bit
);
end entity;
Isto é, criamos uma entidade chamada porta_e
que possui três portas: o sinal A, entrada do tipo bit
, o sinal B, entrada do tipo bit
, e o sinal C, saída do tipo bit
. Perceba que não foi definido como serão tratados esses sinais nem qual é o comportamento da nossa entidade. Com entity
é apenas definido a interface do componente com o mundo externo. O comportamento do circuito é definido utilizando a palavra reservada architecture
:
architecture rtl of porta_e is
begin
C <= A and B;
end architecture;
Neste caso, criamos uma arquitetura chamada rtl
, vinculada à entidade porta_e
, que define o comportamento desejado para nosso circuito, ou seja, o sinal C recebe o resultado da operação and
entre A e B. O operador and
para operandos do tipo bit
já possui implementação nativa no VHDL e é interpretado corretamente por qualquer sintetizador. O código completo da porta AND entãp ficaria:
entity porta_e is
port (
signal A: in bit;
signal B: in bit;
signal C: out bit
);
end entity;
architecture rtl of porta_e is
begin
C <= A and B;
end architecture;
A título de exemplo, sintetizando o código acima com o Quartus Prime Lite Edition, da Altera (uma das maiores empresas no ramo de FPGAs), gera o seguinte circuito:
Exatamente o circuito que esperávamos obter, mas essa é uma das aplicações mais básicas da linguagem. Sua aplicação em si não tem como ser descrita, varia de acordo com a necessidade e criatividade de cada um, pois qualquer circuito digital pode ser implementado utilizando VHDL. Pode ir de uma simples porta lógica, como mostrado, até um modem para transmissões em altas velocidades através de fibra ótica ou mais complexo que isso. A título de exemplo, é possível recriar microcontroladores, permitindo até que você o programe utilizando outras linguagens, como C ou Assembly. É possível criar drivers de vídeo do zero, drivers de áudio, memórias, etc. Basicamente qualquer circuito digital. O circuito gerado em VHDL que faz o cálculo da Transformada de Fourier, por exemplo, é tão grande que é impossível representá-lo de forma visível aqui (e nem é ele completo):
Um Pequeno Jabá
Um exemplo do que pode ser feito com VHDL é um projeto que desenvolvi junto com 2 colegas durante a graduação. O projeto consiste em ligar uma câmera filmadora e um monitor à placa de desenvolvimento. Com VHDL, gera-se uma imagem padrão (listras pretas e cinzas no vídeo abaixo) que é exibida no monitor. Com a filmadora, captura-se a imagem do monitor e envia à placa onde a imagem será tratada pelo VHDL. O VHDL, então, compara a imagem que recebeu da filmadora com a imagem que ele enviou ao monitor e executa determinadas ações conforme a diferença na imagem. Neste caso, o VHDL reconhecia a posição da mão frente ao monitor e tocava um som diferente para cada listra da imagem. O objetivo era recriar um comportamento semelhante ao touch screen, ou melhor, sensível ao movimento completamente com VHDL, ou seja, toda a lógica e processamento digital de imagem é feito em hardware, sem qualquer outra linguagem de programação ou uso de bibliotecas de tratamento de imagens.
https://youtu.be/xXxqDf_zIt8
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