IPC: inter process communication. A parte mais fácil da pergunta já foi respondida, mas ela abrange muito mais por baixo.
Vou tomar a liberdade aqui e falar que processo é tudo aquilo que ocupa o processador para simplificar o entendimento, ok?
Os níveis de IPC variam de acordo com a tecnologia usada e a técnica para se fazer a comunicação. Vamos discutir um sistema computacional MIMD/processador com escalonamento de processos, do nível que eu considero mais desacoplado até o que eu considero mais acoplado.
Como estamos falando de múltiplos processos falando entre si, esses múltiplos processos não necessariamente precisam estar na mesma máquina. Vamos começar pelo caso de que eles estão na mesma máquina.
Interfaces de comunicação
Resumo:
Plexidade? Uniplex, half-duplex ou full duplex
Tipo de dado? Generalizado
Ativo/passivo? Ativo
Duração: Arbitrário/lifetime
São interfaces fornecidas pelo próprio sistema operacional. Podem ser uniplex, half duplex e full duplex. O exemplo mais típico de uma comunicação por interface uniplex é o pipeline, mais brevemente conhecido por pipe, ou até mesmo por |
para os íntimos. Como isso funciona?
Tome um exemplo básico de shell script:
echo "furiosas ideias verdes dormem furiosamente" | sed -e 's/(^| )[aeiou][^ ]* / /g' |
sed 's/ */ /g' | tr -d aeiou
Aqui, cada processo funciona de modo suficientemente separado um do outro. Não há compartilhamento de memória, nem um processo sabe da existência um do outro. Por baixo, o bash está imprimindo a frase de efeito, então alimentando o primeiro sed
(que remove palavras começadas por vogais, deixando um espaço no lugar), que então alimenta o segundo sed
(que remove excesso de espaços) que, só então, lança para o tr
deletar as vogais da entrada. A saída desse script é:
frss vrds drmm frsmnt
Passo a passo do exemplo
echo "furiosas ideias verdes dormem furiosamente"
Entrada:
Saída:
furiosas ideias verdes dormem furiosamente
sed 's/[aeiou][^ ]* / /g'
Entrada:
furiosas ideias verdes dormem furiosamente
Saída:
furiosas verdes dormem furiosamente
sed 's/ */ /g'
Entrada:
furiosas verdes dormem furiosamente
Saída:
furiosas verdes dormem furiosamente
tr -d aeiou
Entrada:
furiosas verdes dormem furiosamente
Saída:
frss vrds drmm frsmnt
Outras comunicações interprocesso por interfaces
Foi apresentado já o pipe. Esse pipe também é conhecido como pipe anônimo, pois ele não foi nomeado. Também existe o pipe nomeado. Em sistema Unix, você cria um pipe nomeado através do comando mkfifo
, então você põe um processo para escrever no pipe e outro para ler dele, como se fosse um arquivo do sistema de arquivos tradicional.
Outro modelo também é o socket. Um programa abre um socket e entra em modo de escuta, então outro programa se conecta e os dois passam a se falar pelo socket.
MPI
Resumo:
Plexidade? Full duplex
Tipo de dado? Generalizado
Ativo/passivo? Ativo
Duração: Arbitrário/lifetime
MPI é uma espécie de interface de comunicação, mas aqui há uma coesão maior, há um acoplamento mais intenso. Também pode-se dizer que isso aqui é multi computador, mas funciona muito bem com um computador só.
Imagine que você precisa saber como uma molécula se estrutura dado o pH e a temperatura do sangue humano (resquícios da época em que trabalhava no CENAPAD-UFC). Essa molécula é grande demais, com partes quase independentes entre si, então você pode computar separadamente o comportamento de suas estruturas, chegar numa posição de estabilidade eletro-quântica e, então, atualizar a informação obtida pelo outro processamento para refinar seu posicionamento.
Essa troca de valores comumente se faz através de um envio de mensagens em um processamento tipo BSP.
BSP em quinze segundos: grandes pedaços de processamento independentes que de quando em quando são sincronizados e trocam informação entre si.
Exemplo do BSP nesta resposta, através dos processos nas redes de ordenação.
Memória compartilhada
Resumo:
Plexidade? Full duplex
Tipo de dado? Generalizado
Ativo/passivo? Passivo
Duração: Arbitrário
Aqui dois ou mais processos compartilham parte da memória do computador. Eles escrevem na área comum, eles leem da área comum, mas também tem sua área privada. MPI pode ser montado em cima disso.
Normalmente é nesse nível que o programador começa a se preocupar com semáforos/mutex/monitores propriamente ditos. Antes, ele simplesmente sabe que essas coisas existem.
Esse compartilhamento de dados permite maior agilidade na execução, porém também é preciso mais controle do programador. Diferente de comunicação por interface, isso aqui não permite lançar um evento para que o outro processo tome uma ação: aqui, a comunicação é totalmente passiva.
Eu não preciso nem devo falar para o outro processo: olhe, dados! O outro processo simplesmente pega os dados.
Variáveis compartilhadas
Resumo:
Plexidade? Full duplex
Tipo de dado? Generalizado
Ativo/passivo? Passivo
Duração: Lifetime
Ok, alguns iriam argumentar que isso é um tipo de Memória Compartilhada, outros iriam argumentar que eu estou inventando esse nome. E, de fato, não lembro qual o nome correto, mas esse nome vem bem a calhar.
Aqui, não só há um espaço de memória compartilhado entre diversos processos, como de fato toda a memória é compartilhada. A partilha é tão grande que até pelos mesmos nomes as variáveis atendem. Esse é o modelo de IPC em threads.
Envio de sinais
Resumo:
Plexidade? Uniplex
Tipo de dado? Sinal/byte
Ativo/passivo? Ativo
Duração: Momento
Quem nunca recebeu um SIGSEGV
quando programou em C?
SIGSEGV
também é conhecido por segmentation fault, ou falha de segmentação. Esse é um sinal Unix enviado pelo sistema operacional falando que você acessou uma área de memória fora do esperado (acabou por violar o segmento de memória do programa).
Tem outros sinais muito característicos que usamos:
- sinal de pausa (CTRL+Z no terminal;
SIGSTOP
)
- sinal de interromper (CTRL+C no terminal;
SIGINT
)
- sinal de morte (já deu
kill -9 <PID>
em algum processo? SIGKILL
)
Alguns sinais podem ser interceptados, outros não. SIGKILL
e SIGSTOP
, se não me engano, não são interceptáveis. Não me lembro se é possível enviar sinais de qualquer programa para qualquer programa, mas tenho certeza de que todo programa ancestral pode enviar um sinal para qualquer um de seus descendentes. Wtrmute mostra de modo excelente nesta resposta como usar o envio de mensagens dentro da árvore de processos, de ancestral para descendente e vice-versa.
Tem uma pergunta específica sobre sinais
Via arquivo
Resumo:
Plexidade? Half-duplex
Tipo de dado? Generalizado
Ativo/passivo? Passivo
Duração: Arbitrário
Escreve num arquivo, espera que outro processo leia. Porco e direto ao assunto. Se o arquivo for residente da RAM (RAM-FS), vai ser mais rápido.
Também poderia funcionar bem no caso de o SO demorar para fazer flush e permitir "leitura" do que estiver no cache de arquivos por outros processos, pode não ser tão ruim de performance.
A vantagem desse método é que a informação da comunicação fica persistida no caso de término abrupto do processo leitor.
Via banco de dados
Resumo:
Plexidade? Half-duplex
Tipo de dado? Generalizado
Ativo/passivo? Passivo
Duração: Arbitrário
Semelhante ao IPC por arquivo, mas o SGBD pode otimizar para a tabela ficar na RAM enquanto se realiza a escrita/leitura de maneira mais eficiente do que a leitura no cache do arquivo antes do flush.
Arquivo de trava
Resumo:
Plexidade? Uniplex
Tipo de dado? Booleano
Ativo/passivo? Passivo
Duração: Arbitrário
Lembrei-me desse tipo de comunicação ao escrever essa resposta.
Em suma: quando você está em um ambiente multitarefa e precisa garantir a integridade de algum arquivo no sistema, não tendo nenhum servidor fixo para controlar essa situação, é criado um arquivo de trava.
O seguinte trecho exemplifica como funciona essa estratégia no ambiente git
:
No caso, como não há servidor esperando ouvir uma mensagem, um processo git
precisa decidir por si só, observando o ambiente (SO incluso como parte do ambiente) se ele pode realizar mudanças críticas ou não. Então, ele faz a seguinte chamada ao sistema operacional:
SO, por favorzinho, cria para mim o arquivo .git/index.lock
? Me retorna sucesso se é somente se eu fui quem conseguiu criar esse arquivo, ou se ele já existir me retorne falha
Para o qual, há duas respostas que o SO pode fornecer:
Tá aqui, pequeno git
, você criou o arquivo
Ou então, no caso de o arquivo já existir (ou que acabou de ser criado por outro processo em paralelo):
Ô, animalzinho! Esse arquivo já existe!
Caso o arquivo exista previamente (e portanto ocorreu o erro), o git
aborta graciosamente com essa mensagem que você foi recebido.
Caso o arquivo tenha sido criado (e portanto sucesso), o git
segue feliz em seu processamento e, quando tiver terminado a atividade requerida, vai remover o arquivo de trava.
Variável de ambiente
Resumo:
Plexidade? Uniplex
Tipo de dado? Texto
Ativo/passivo? Passivo
Duração: Criação do processo filho
No shell-script, em diversos cantos precisamos fazer coisas assim:
export PATH=/bin:/usr/bin:$HOME/bin
./meu_script.sh
Isso é um jeito de passar para o programa meu_scrpit.sh
a variável $PATH
. Nota: se o export
for omitido, o valor da variável alterado não será passado para o processo filho.
Essas variáveis só são passadas do processo pai para o processo filho, e se não me engano os valores são definidos na hora de fazer o fork
.
Código de retorno
Resumo:
Plexidade? Uniplex
Tipo de dado? Byte
Ativo/passivo? Passivo
Duração: Término do processo filho
Quando um processo filho termina, ele pode notificar ao pai se deu tudo normal ou se deu alguma falha durante a execução. O padrão é retornar 0
quando não há erro (execução com sucesso) e com um código diferente de 0
quando há erro, sendo que cada valor corresponderia a um erro diferente.
Isso permite a um programa chamador tomar decisões de fluxo de execução condicionado ao sucesso ou fracasso do programa filho. O código de erro permite, também, informar ao programa chamador qual foi o problema encontrado (ou à pessoa que está executando na mão o programa).