TL;DR - Somente use herança se o subtipo puder perfeitamente substituir o tipo base. Além disso, reduza as responsabilidades de suas classes. Use composição para juntar várias responsabilidades isoladas em um objeto só (i.e. agregue funcionalidades).
O restante da resposta é baseada em exemplos práticos. Para uma resposta mais conceitual (e mais curta), incluindo o embasamento teórico, veja a resposta do utluiz. E a resposta do carlosrafaelgn apresenta um contraponto bastante interessante.
Quando não usar herança?
A decisão entre usar ou não herança deve se guiar no Princípio da Substituição de Liskov, que diz: "onde um objeto da classe base pode ser usado um objeto da subclasse deve também poder ser usado". Manter esse princípio se torna complicado em relações de herança complexas, como no exemplo abaixo:
class Animal { }
class Cachorro extends Animal { }
class Gato extends Animal { }
class AbrigoAnimais {
Animal obterAnimal() { }
void adicionarAnimal(Animal a) { }
}
class AbrigoCachorros extends AbrigoAnimais {
Cachorro obterAnimal() { } // OK
void adicionarAnimal(Cachorro c) { } // É overload, não overrride
}
AbrigoAnimais canil = new AbrigoCachorros();
canil.adicionarAnimal(new Gato()); // Deveria ser válido, pelo princípio da substituição
O mesmo se observa em casos onde a subclasse é mais restrita que a superclasse:
class Retangulo {
void atribuirLados(int altura, int largura) { }
}
class Quadrado extends Retangulo { }
new Quadrado().atribuirLados(10, 20); // Deveria ser válido, pelo princípio da substituição
Além disso - não relacionado a esse princípio, mas também relevante - há o problema do que fazer na presença de herança múltipla:
interface Voador { }
class Veiculo { }
class Aviao extends Veiculo implements Voador { }
class Passaro extends Animal implements Voador { }
// Como reaproveitar a funcionalidade de Voador?
Ou em casos onde a interface é conflitante:
interface Foo {
String metodo();
}
interface Bar {
int metodo();
}
class Baz implements Foo, Bar {
// Não é possivel, pois o que "metodo" vai retornar?
}
Se seu modelo não possui nenhum desses problemas, então vai em frente e use herança! Mas na maioria das vezes (pela minha experiência) pelo menos um desses problemas está presente. Além disso, a motivação do programador com frequência é simplesmente "reutilizar código" - ele não tem uma taxonomia clara onde a relação de herança se justifique, ele só a usa porque acha que tem que usar. É nesses casos que a composição se torna uma alternativa preferível.
Como resolver usando composição?
No primeiro caso, pode-se fazer isso colocando no tipo base somente os métodos que atendem ao princípio da substituição:
interface AbrigoAnimais {
Animal obterAnimal();
}
class ImplAbrigoAnimais<T extends Animal> implements AbrigoAnimais {
T obterAnimal() { } // OK, tipo de retorno covariante
void adicionarAnimal(T animal) { } // Não está presente na interface
}
class AbrigoCachorros implements AbrigoAnimais {
ImplAbrigoAnimais<Cachorro> abrigo = new ImplAbrigoAnimais<Cachorro>();
Cachorro obterAnimal() { return abrigo.obterAnimal() }
void adicionarAnimal(Cachorro cachorro) { abrigo.adicionarAnimal(cachorro); }
}
AbrigoAnimais canil = new AbrigoCachorros();
canil.obterAnimal(); // OK
Mesma coisa no segundo (note que é possível suportar tanto leitura quanto escrita):
interface Retangular {
void atribuirLargura(int largura);
void atribuirAltura(int altura);
}
class Retangulo implements Retangular {
void atribuirLargura(int largura) { }
void atribuirAltura(int altura) { }
void atribuirLados(int largura, int altura) { } // Não está na interface
}
class Quadrado implements Retangular {
Retangulo quadrado = new Retangulo();
void atribuirLargura(int largura) {
atribuirLados(largura);
}
void atribuirAltura(int altura) {
atribuirLados(altura);
}
void atribuirLados(int valor) { // Não está na interface
quadrado.atribuirLargura(valor);
quadrado.atribuirAltura(valor);
}
}
Separação de Responsabilidades
Por fim, vou demonstrar como a separação de responsabilidades pode ajudar muito a modelar um conjunto complexo de entidades:
interface ObjetoPosicionado { }
interface Animal extends ObjetoPosicionado { }
interface Veiculo extends ObjetoPosicionado { }
class ImplObjetoPosicionado implements ObjetoPosicionado {
int x;
int y;
int z;
}
class ImplAnimal implements Animal {
ObjetoPosicionado impl;
int fome;
}
class ImplVeiculo implements Veiculo {
ObjetoPosicionado impl;
List<Pessoa> passageiros;
}
Aqui cada classe cuida de um aspecto específico: uma controla onde o objeto está no espaço, outra controla os atributos específicos do animal fazendo uso do objeto anterior (pois um Animal
é um ObjetoPosicionado
), e outra controla os atributos específicos do veículo (idem). Com as responsabilidades isoladas, pode-se reutilizá-las numa classe particular aproveitando-se apenas o que é necessário, e não desperdiçando espaço:
class Cavalo implements Animal, Veiculo {
ImplAnimal ia;
ImplVeiculo iv;
public Cavalo() {
ObjetoPosicionado op = new ObjetoPosicionado(); // Uma única cópia...
ia = new ImplAnimal(op); // ...é utilizada aqui...
iv = new ImplVeiculo(op); // ...e aqui.
}
// Realiza a interface de ObjetoPosicionado
void deslocar(int x, int y, int z) {
ia.deslocar(x,y,z); // Ou iv - dá no mesmo, pois ambos têm a mesma "impl"
}
// Realiza a interface de Animal
void comer() {
ia.comer();
}
// Realiza a interface de Veiculo
void adicionarPassageiro(Pessoa p) {
iv.adicionarPassageiro(p);
}
}
Mas não é muito código pra escrever?
Sim! Se a sintaxe da linguagem não ajuda, você teria que fazer uma baita ginástica para criar modelos desse tipo, anda que o esforço "se pague" depois (uma API limpa e um código eficiente). E qual seria a solução? Deixar a "pureza" de lado e acabar com a herança de uma vez:
class Cavalo {
Animal comoAnimal() { return ia; }
Veiculo comoVeiculo() { return iv; }
}
Cavalo c = new Cavalo();
//Animal a = c;
Animal a = c.comoAnimal();
Ou seja: volta a "estranheza" da pergunta original, mas ganha-se todos os benefícios do uso de composição menos o overhead do código extra para tornar isso possível. No fim das contas, ainda é herança que você está fazendo - mas sem usar a sintaxe/semântica dela, e sim a da composição.
É o ideal?
Não. O ideal seria que o computador tratasse bem da "confusão" que é a maneira que o cérebro humano categoriza as coisas ("Aves voam. Avestruzes são aves, só que não voam. Aviões também voam, mas não batem as asas. Foguetes voam, e nem têm asas! Patos são aves, e também nadam. Barcos não nadam, mas é quase isso... Aviões, foguetes e barcos são veículos. Mísseis parecem foguetes, mas não transportam passageiros.").
Na ausência disso, só resta criar modelos com características desejáveis, como a segurança de tipos. Ela visa garantir que entidades "parecidas" possam ser tratadas como um tipo só - através da substituição segundo o princípio citado no começo da resposta. Se você não tem essa segurança, de que adianta ter um objeto que pode ou não cumprir o contrato da classe?
No fim das contas, o que interessa ao programador é que determinado objeto possua certa funcionalidade desejável. Ou seja, conceitualmente um carro é um veículo
, mas pragmaticamente um objeto carro possui a funcionalidade de um objeto veículo
.