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Fiz a pergunta Quão abstratos são ponteiros em C? e uma parte do que eu queria saber era isso que estou perguntando aqui.

C define o tipo de dado ponteiro como sendo uma varíável cujo valor é o "endereço" (address) de uma outra variável, cujo tipo é definido na declaração.

C deixa propositalmente em aberto a definição de "endereço", para permitir maior liberdade às diferentes implementações da linguagem, embora esse "endereço" em geral signifique a posição na memória onde fica o valor dessa variável.

Para aumentar a confusão, li aqui que C define que um ponteiro pode sempre ser convertido (cast) para um inteiro e esse inteiro convertido de volta para um ponteiro, porém esse mapeamento fica a cargo da implementação. Esse tipo de coisa realmente causa confusão ao fazer parecer que um ponteiro não guarda nada além de um inteiro que é uma posição qualquer na memória.

O que eu gostaria de ver respondido aqui é a confirmação se é assim mesmo, com um pouco mais de esclarecimentos, correções de alguma eventual inconsistência no que tiver perguntado, e quais seriam algumas possíveis alternativas a definir "endereço" como posição na memória.

Pode ser uma só mas bem ilustrativa; por exemplo, eu li em comentário do SOen que se você deseja emular uma máquina com endereçamento de, por exemplo, 32 bits, sobre uma máquina física de 16 bits (portanto com menos memória), você pode mapear a memória para um disco rígido e os "endereços" passam a ser as posições de cada dado em disco, deixando portanto de ser endereços de memória.

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  • Desconheço que variável possa ter referência e valor, ou tem um ou outro, mesmo em Python. O que está em disco é memória.
    – Maniero
    9/01/2022 às 20:38
  • Bem observado, fiz confusão ao ler o material. "Todas as variáveis no Python têm um valor (a porção de dados à qual elas se referem) e uma referência (o local na memória dessa porção de dados). Atribuições em Python copiam apenas a referência". Achei que a variável era alguma estrutura que "continha" as duas coisas.
    – Piovezan
    9/01/2022 às 21:10
  • "O que está em disco é memória" ok, minha definição estava um pouco restrita. Se persiste no tempo é memória, noted. Não tenho conhecimento suficiente para saber se o sistema operacional tem endereçamento único para todas a memória encontrada no computador. Não havendo mais observações, devo considerar que as premissas da pergunta estão basicamente corretas.
    – Piovezan
    10/01/2022 às 3:16
  • A especificações C posteriores a C89 não determinam como serão realizadas a conversão dos endereços lógicos(espaço de endereçamento do usuário) para endereços memória física pois essa tarefa fica a cargo da ABI para a qual o código foi compilado. 13/01 às 6:32

1 Resposta 1

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Eu não sou um estudioso da linguagem C, portanto não me atrevo a falar sobre sua especificação. No entanto, posso fornecer um exemplo específico que talvez ajude a compreender melhor.

Atualmente, os sistemas operacionais de PCs possuem gerenciadores de memória, ofuscação de ponteiros e operam em processadores de 64 bits, o que significa que o contexto de programação C que temos hoje, especialmente em ambientes acadêmicos, difere bastante dos anos 1970, quando C foi especificado. No entanto, a programação de sistemas embarcados se assemelha mais ao ambiente daquela época.

Vamos tomar como exemplo o microcontrolador nRF52840. A especificação de seus pinos de entrada e saída, chamados em inglês de GPIO - General Purpose Input/Output, pode ser encontrada nesta página.

Nela, é mencionado que o endereço base dos registradores de GPIO é 0x50000000 e que os registradores responsáveis pelo valor de saída do pino possuem um offset (deslocamento) de 0x504 posições de memória. Embora não esteja explicitamente indicado, é implícito que o tamanho do registrador é de 32 bits.

Assim, um código para programar o pino 0 do microcontrolador pode se parecer com isso:

#include <stdint.h>

#define GPIO_BASE_ADDRESS 0x50000000
#define GPIO_OUT_OFFSET   0x504

void main() {
    // TODO: inicializar corretamente o microcontrolador

    uint32_t *gpio_out_reg = (uint32_t *)(GPIO_BASE_ADDRESS + GPIO_OUT_OFFSET);

    *gpio_out_reg = 1;

    // Trava o código, pois programas de sistemas embarcados geralmente não retornam
    while(1);
}

O código está criando um ponteiro para uma posição absoluta da memória e, ao escrever nesse ponteiro, ele está escrevendo na posição de memória.

Importante: Eu não testei esse código e ele provavelmente não funcionará exatamente como está, já que é necessário inicializar vários registradores do microcontrolador para que ele opere de maneira adequada.

Uma dúvida que pode surgir é com relação ao que é o tipo uint32_t. Eu uso esse tipo porque a especificação da linguagem C é vaga ao definir o que é um int. Alguns compiladores tratam int como tendo 16 bits, outros como 32 bits, e ainda há aqueles que consideram 64 bits. Sem o tipo uint32_t, eu teria que estudar o manual do compilador e descobrir qual tipo usar. Usando uint32_t, eu especifico para o compilador que quero que a variável tenha 32 bits sem sinal. Para usar esse tipo, é necessário incluir #include <stdint.h>.

Você expressou na sua pergunta a dúvida sobre a conversão de int para ponteiro. No código acima, essa conversão está implícita, mas podemos torná-la mais explícita no exemplo abaixo:

#include <stdint.h>

#define GPIO_BASE_ADDRESS 0x50000000
#define GPIO_OUT_OFFSET   0x504

void main() {
    // TODO: inicializar corretamente o microcontrolador

    uint32_t gpio_base_address = 0x50000000;
    uint32_t *gpio_out_reg = (uint32_t *)(gpio_base_address + 0x504);

    *gpio_out_reg = 1;

    // Trava o código, pois programas de sistemas embarcados geralmente não retornam
    while(1);
}

Perceba que códigos como esse, que acessam diretamente posições de memória cria sérios riscos de segurança em sistemas operacionais multitarefa. Por isso, processadores de PC possuem um componente chamado MMU (Memory Management Unit - Unidade de Gerenciamento de Memória) que detecta e bloqueia acessos indevidos à memória, emitindo alertas para o sistema operacional. Por isso, códigos desse tipo geram o erro Segmentation Fault ao serem executados em PCs.

Para finalizar, apresentei um exemplo de conversão de int (ou melhor uint32_t) para ponteiro. Mas por que precisamos converter ponteiros para inteiros? Um caso possível é durante o debug do código: ao depurar o código, é possível solicitar ao debugger que apresente o endereço de memória de interesse (e para apresentar o valor, é necessário converter o ponteiro em um inteiro). Com essa informação em mãos, é possível inspecionar o conteúdo da memória.

Edit: você fez a pergunta se um ponteiro é apenas um inteiro que é uma posição qualquer na memória. Eu dei um exemplo em que isso é verdade, mas essa não é a resposta completa. A resposta real para essa pergunta é: "depende do compilador".

Como você mesmo já viu, a especificação deixa em aberto como os ponteiros são implementados. Então, se algum compilador resolver implementar de uma forma completamente diferente, ele pode, conforme o grau de criatividade dos criadores do compilador. Mas por qual motivo um compilador implementaria de uma forma diferente do tradicional se o tradicional é método o mais eficiente? Um motivo já citado para implementar de modo diferente é fazer ofuscação de ponteiros, em que os ponteiros deixam de apontar para memórias reais, com o objetivo de diminuir pontos que estão expostos a hackers. De qualquer forma, se algum dia surgir uma memória revolucionária, cujo acesso não dependa mais de endereços numéricos, não será preciso mudar a especificação da linguagem C, mas apenas a implementação do compilador.

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  • Não é verdade que depende do compilador, a maneira com a qual os endereços são mapeados dentro do espaço de endereçamento do usuário é determinada pela ABI(Application Binary Interface) para qual o código foi compilado. 13/01 às 6:15

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