Primeiro, um pouco de terminologia/conceitos.
De acordo com a documentação, um iterator (ou "iterador") é qualquer objeto que implemente os métodos __next__
e __iter__
(sendo que este último deve retornar o próprio objeto, enquanto o primeiro retorna o próximo item do iterator, ou lança um StopIteration
quando não há mais elementos).
Já um generator (ou "gerador") é uma função (e portanto também é chamada de generator function) que retorna um generator iterator (que a documentação define como "Um objeto criado por uma generator function"). Uma generator function é criada usando-se o yield
, que já é explicado em detalhes aqui e aqui.
E existe também a generator expression, que é uma expressão que retorna um generator (como a que tem na pergunta: (x**2 for x in range(50))
).
Todo objeto generator iterator (seja criado por uma generator function ou uma generator expression) é também um iterator. Mas nem todo iterator é um generator.
Um generator é lazy no sentido de que ele só retorna o próximo valor se você chamar o método __next__
(seja explicitamente através do builtin next
, ou implicitamente, quando você o percorre com um for
por exemplo). Internamente ele guarda o seu estado (basicamente, "onde ele parou" e o valor de cada variável naquele ponto; leia o link já indicado para saber mais detalhes), para que na próxima chamada de next
ele possa continuar a execução de onde parou.
Em geral um generator não guarda todos os valores de uma vez na memória, gerando-os sob demanda. Mas nada impede que você faça isso:
# itera pelos elementos do iterável uma ou mais vezes
def ciclo(iteravel, repetir=1):
# guarda os valores do iterável em uma lista
valores = list(iteravel)
for _ in range(repetir):
for n in valores:
yield n
# imprime duas vezes os valores da generator expression
for n in ciclo((x ** 2 for x in range(3)), 2):
print(n)
Ou seja, a generator function ciclo
cria um generator que itera várias vezes pelo iterável informado. Os valores são guardados em uma lista porque o iteravel
pode ser outro generator (que só pode ser iterado uma vez), então guardando os valores em uma lista eu garanto que posso iterar várias vezes sem problemas. No exemplo acima, se eu fizesse o segundo for
diretamente no iteravel
, os valores só seriam retornados uma vez, já que a generator expression cria um generator, e este só pode ser iterado uma vez.
Ou seja, eu criei um generator que guarda todos os valores em memória de uma vez (só por curiosidade, é exatamente isso que a função itertools.cycle
faz).
Claro que isso é um corner case, e em geral, os generators não guardam todos os valores na memória (a menos que eu force isso, como fiz acima), computando-os apenas quando necessário. Já um iterator que não é um generator, não necessariamente será lazy.
Quando você faz iter([1, 2, 3])
, ele retorna um iterator, que não é um generator, como pode ser verificado com o módulo inspect
:
import inspect
# iter cria um iterator que não é generator
x = iter([1, 30, 99, 42])
print(inspect.isgenerator(x)) # False
# generator expression cria um generator
x = (x * 2 for x in range(10))
print(inspect.isgenerator(x)) # True
Além disso, a lista [1, 2, 3]
já foi criada e internamente o iterator mantém uma referência para ela. O que o iterator faz é iterar para o próximo elemento quando o método __next__
é chamado, mas como a lista já foi criada, você não tem a "economia de memória". Um iterator só economizaria memória se os seus valores fossem computados sob demanda, como o exemplo do generator acima. Por exemplo:
# iterator que gera os valores sob demanda
class Squares(object):
def __init__(self, start, stop):
self.start = start
self.stop = stop
def __iter__(self): return self
# o próximo elemento é calculado somente se next for chamado
def __next__(self):
if self.start >= self.stop:
raise StopIteration
current = self.start * self.start
self.start += 1
return current
iterator = Squares(3, 10)
print(next(iterator)) # 9
print(next(iterator)) # 16
Se eu usar inspect.isgenerator
no iterator acima, o resultado será False
.
Mas se você cria um iterator com base nos valores de uma lista, e esta lista já foi criada, aí não tem como economizar nada mesmo. Então a sua pergunta "como ele consegue resgatar os itens sem eles estarem salvos na memória?" parte de uma premissa errada, pois os valores estão sim na memória, e é assim que o iterator consegue recuperá-los.
Indo um pouco mais a fundo, fui dar uma olhada no código fonte do CPython (que é a implementação de referência da linguagem, e muito provavelmente a que você está usando). Consultei o código hoje (11/jun/2021):
O builtin iter
está definido aqui:
static PyObject *
builtin_iter(PyObject *self, PyObject *const *args, Py_ssize_t nargs)
{
PyObject *v;
if (!_PyArg_CheckPositional("iter", nargs, 1, 2))
return NULL;
v = args[0];
if (nargs == 1)
return PyObject_GetIter(v);
if (!PyCallable_Check(v)) {
PyErr_SetString(PyExc_TypeError,
"iter(v, w): v must be callable");
return NULL;
}
PyObject *sentinel = args[1];
return PyCallIter_New(v, sentinel);
}
No caso, quando passamos apenas um argumento (por exemplo, uma lista), ele cai no if (nargs == 1)
e chama PyObject_GetIter
, que por sua vez é definido aqui:
PyObject *
PyObject_GetIter(PyObject *o)
{
PyTypeObject *t = Py_TYPE(o);
getiterfunc f;
f = t->tp_iter;
if (f == NULL) {
if (PySequence_Check(o))
return PySeqIter_New(o);
return type_error("'%.200s' object is not iterable", o);
}
else {
PyObject *res = (*f)(o);
if (res != NULL && !PyIter_Check(res)) {
PyErr_Format(PyExc_TypeError,
"iter() returned non-iterator "
"of type '%.100s'",
Py_TYPE(res)->tp_name);
Py_DECREF(res);
res = NULL;
}
return res;
}
}
No caso, o
é a lista, cujo Py_TYPE(o)
é PyList_Type
, que por sua vez é definido aqui:
PyTypeObject PyList_Type = {
// um monte de linhas...
list_iter, /* tp_iter */
// mais um monte de linhas...
Veja que no campo tp_iter
o valor é a função list_iter
. Como esta função não é nula, a função PyObject_GetIter
cai no else
e chama a função list_iter
, passando a lista como argumento. E essa função (definida no mesmo arquivo que define o PyList_Type
) faz o seguinte:
static PyObject *
list_iter(PyObject *seq)
{
listiterobject *it;
if (!PyList_Check(seq)) {
PyErr_BadInternalCall();
return NULL;
}
it = PyObject_GC_New(listiterobject, &PyListIter_Type);
if (it == NULL)
return NULL;
it->it_index = 0;
Py_INCREF(seq);
it->it_seq = (PyListObject *)seq;
_PyObject_GC_TRACK(it);
return (PyObject *)it;
}
E é na linha it->it_seq = (PyListObject *)seq;
que vemos que a lista (seq
) é atribuída para o campo it_seq
do iterator. Ou seja, o iterator mantém uma referência para a lista. Definição do listiterobject
(também no mesmo arquivo que define o list_iter
):
typedef struct {
PyObject_HEAD
Py_ssize_t it_index;
PyListObject *it_seq; /* Set to NULL when iterator is exhausted */
} listiterobject;
E a implementação do método next
(também no mesmo arquivo que define o list_iter
):
static PyObject *
listiter_next(listiterobject *it)
{
PyListObject *seq;
PyObject *item;
assert(it != NULL);
seq = it->it_seq;
if (seq == NULL)
return NULL;
assert(PyList_Check(seq));
if (it->it_index < PyList_GET_SIZE(seq)) {
item = PyList_GET_ITEM(seq, it->it_index);
++it->it_index;
Py_INCREF(item);
return item;
}
it->it_seq = NULL;
Py_DECREF(seq);
return NULL;
}
Que mostra que o iterator vai percorrendo os elementos da lista um a um.
Ou seja, o iterator guarda uma referência da lista, e é assim que ele consegue retornar os seus elementos. Como a lista já foi criada, não há a geração lazy (sob demanda), como ocorre com os generators (ou com o iterator Squares
do exemplo acima), pois os valores já foram criados anteriormente quando você criou a lista.
iter
quanto os geradores devem guardar os valores (o seu estado) em memória. No caso doiter
, vc passou uma lista (pois está delimitado por[ ]
), e provavelmente ele cria um objeto que mantém uma referência para esta lista. Não imagino outra forma dele conseguir iterar pelos valores, a não ser mantendo-os internamente como parte do objeto criado.iter([1, 2, 3])
, a lista[1, 2, 3]
já foi criada, então não tem como economizar nada aí, pois a memória já foi "gasta"... Não tem nada de contraditóriodel
). Não tem surpresas aí: só manter a mesma regra sempre: um objeto existe enquanto tem referências pra ele.