Lançar exceções é legal!
Abordagem bacana 1 - evitar exceções porque elas representam o mal:
public Resultado baixaEstoque(Produto produto, int quantidade) {
Resultado resultado = new Resultado();
if (!produtoDisponivel(produto, quantidade)) {
resultado.isSucesso(false);
resultado.setMotivoFalha(
String.Format("Não há %d items de %s disponíveis em estoque.",
quantidade, produto.getNome()));
return resultado;
}
// ... (baixa o estoque de fato);
resultado.isSucesso(true);
}
O consumo no mais alto nível da aplicação fica assim:
Resultado Resultado = estoque.baixaEstoque(produto, quantidade);
if (Resultado.isSucesso()) {
mensagens.Add("O produto foi baixado do estoque");
} else {
mensagens.Add(Resultado.getMotivoFalha());
}
Eu gosto do código acima. Nenhuma exceção lançada, nenhum try-catch
foi usado.
Agora considere uma operação um pouco mais complexa como o fechamento de uma venda:
public Resultado fechaVenda(Carrinho carrinho, Cliente cliente, FormaPagamento formaPagamento) {
Resultado resultado = crediario.reservaCredito(cliente,
carrinho.valorTotal(), formaPagamento);
if (!Resultado.isSucesso()) {
return resultado;
}
for (CarrinhoItem item : carrinho.getItems()) {
resultado = estoque.baixaEstoque(item.getProduto(), item.getQuantidade);
if (!Resultado.isSucesso()) {
return resultado;
}
}
resultado = crediario.debitaCliente(cliente, carrinho.valorTotal(), formaPagamento);
if (!Resultado.isSucesso()) {
return resultado;
}
resultado = despacho.ordenaDespacho(cliente, carrinho.getItems());
if (!Resultado.isSucesso()) {
return resultado;
}
// ... (mais operações de baixa de venda);
return resultado;
}
Então, informando sucesso ou falha como retorno do método me deixou com vários ifs e bastante código repetido que não expressa a regra de negócio mas está ali apenas para o caso de acontecer algo que não permita ao sistema seguir o seu caminho padrão.
Abordagem bacana 2 - usar exceções racionalmente para um design mais limpo e expressivo:
Agora considere esta mesma operação de fechamento de uma venda usando exceções, onde cada processo lança exceção de negócio nos casos de exceções previstas (como um produto não estar diponível no estoque). Nesta abordagem, a baixa de estoque, por exemplo, fica assim:
public void baixaEstoque(Produto produto, int quantidade) {
if (!produtoDisponivel(produto, quantidade)) {
throw new BusinessException(
String.Format("Não há %d items de %s disponíveis em estoque.",
quantidade, produto.getNome()));
}
// ... (baixa o estoque de fato);
}
Cada processo segue este mesmo padrão, de modo que o processo completo de fechamento de venda fica assim:
public void fechaVenda(Carrinho carrinho, Cliente cliente, FormaPagamento formaPagamento) {
crediario.reservaCredito(cliente, carrinho.valorTotal(), formaPagamento);
for (CarrinhoItem item : carrinho.getItems()) {
estoque.baixaEstoque(item.getProduto(), item.getQuantidade);
}
crediario.debitaCliente(cliente, carrinho.valorTotal(), formaPagamento);
despacho.ordenaDespacho(cliente, carrinho.getItems());
}
E o consumo no mais alto nível da aplicação fica assim:
try {
vendas.fechaVenda(carrinho, cliente, formaPagamento);
mensagens.Add("O produto foi baixado do estoque");
} catch (Exception e)
mensagens.Add(e.getMessage());
}
Idealmente a aplicação dispõe de um tratamento genérico de exceções que já vai logar e adicionar a mensagem de erro, então o código fica ainda mais limpo:
vendas.fechaVenda(carrinho, cliente, formaPagamento);
mensagens.Add("Venda concluída.");
Nesta segunda abordagem eu eliminei dezenas de ifs (seriam muitos mais num código completo) e ao mesmo tempo não incluí nenhum try-catch
em nenhuma parte do meu código de negócio, mesmo lançando exceções úteis!
Em tempo: apesar de serem exceções previstas, ainda assim são exceções. Por exemplo: um processo de venda não chega até o seu fechamento se o produto não estiver previamente disponível em estoque, eventualmente foi reservado ao ser adicionado no carrinho virtual. O produto não estar mais disponível no momento da sua baixa é uma exceção que pode ocorrer no caso de um processo de vendas com overbooking ou em caso de vendas concorrentes quando duas reservas de um mesmo produto já expiraram e a compra ainda assim foi levada até o fim. Então, pode acontecer, mas é uma exceção. Além disso, esta exceção não está determinando o fluxo do programa - ao contrário, ela está interrompendo o fluxo do programa.
Conclusão 1:
Lançar exceções não é errado. Ao contrário, pode ajudar a fazer um código mais expressivo.
Uma premissa destas duas primeiras abordagens é que existe um controle de transação em torno da chamada de nível mais alto, e que este controle de transação garante a consistência do estado do sistema (executa um rollback) no caso de falha. A segunda abordagem, por exemplo, poderia contar com o gerenciamento automático e implícito de transações de um container EJB, onde nenhum código adicional seria necessário. Na primeira abordagem seria necessário incluir uma chamada explícita ao rollback.
Abordagens esquisitas:
Existe também o tratamento de exceção por ele mesmo, sem qualquer objetivo ou que tenta adicionar robustez ao código. Exemplo:
try
{
// ... (código de negócio);
}
catch (Exception e)
{
e.printStackTrace();
}
// ... (continua com mais código de negócio ignorando completamente que houve exceção!);
Ou ainda:
try
{
// ... (código de negócio);
}
catch (Exception e)
{
e.printStackTrace();
throw e;
}
E existe também o tratamento de exceção que controla o fluxo do programa de maneira esquisita:
public Pessoa obtemPessoa(String cpf) {
try
{
// ... (busca pessoa);
}
catch (Exception e)
{
JOptionPane.showMessageDialog("CPF não cadastrado.");
return null;
}
}
Na minha segunda abordagem, de certa forma eu usei exceções para controlar o fluxo do programa pois eu lancei exceções para interromper este fluxo, e isso não está errado. Foi um exemplo de boa utilização dos recursos da linguagem.
Neste código aí acima a exceção também está sendo usada para controlar o fluxo, mas para dar um fluxo alternativo em vez de simplesmente interrompê-lo; e ainda faz isso usando um código bem esquisito que mistura apresentação com regras de negócio.
Conclusão 2:
Em várias linguagens, lançar e capturar exceções sem entender por que e sem estar certo neste porquê (muitos porquês são apenas mitos ou falta de conhecimento) é que é o problema. Não as exceções em si.
Abordagens necessárias:
Algumas vezes não fazemos questão de uma exceção mas este é o recurso mais simples ou o único recurso de performance aceitável ou ainda a única forma possível que a linguagem nos oferece.
Exemplo em Java:
int valor;
try
{
valor = Integer.parseInt(str);
// ... (usa o valor);
}
catch (NumberFormatException e)
{
// ... (código alternativo para string não válida);
}
Quando em C#, eu prefiro fazer assim:
var numeroValido = Int32.TryParse(str, out valor);
if (numeroValido)
// ... (usa o valor);
else
// ... (código alternativo para string não válida);
O código em Java não está errado porque este é o jeito Java de fazer isso. Quando houver um jeito tão expressivo quanto o do C#, eu vou usá-lo.
Conclusão 3:
Gostando ou não de lançar e capturar exceção, se este for o jeito de resolver determinado problema naquela linguagem, não há o que discutir - simplesmente vamos lançar e capturar a exceção.
Respostas aos seus pontos específicos:
Quando estudei Java, aprendi que exceções somente deveriam ser usadas em situações, bem, "excepcionais" (i.e. um erro, uma condição não prevista, etc), jamais para controle de fluxo normal.
Incorreto. Exceções em Java estão lá para serem utilizadas. Nenhuma das minhas duas primeiras abordagens está incorreta em determinado cenário. Então em vez de "utilizar jamais" eu prefiro "utilizar de maneira criteriosa".
Lançar exceção é menos performático (criar uma exceção envolve montar um stack trace, dentre outras coisas)
Correto. Na minha abordagem usando exceções, apenas 1 exceção eventualmente será lançada a cada execução do processo, e em um processo que depende da interação do usuário este custo não é sensível. Se você tiver um grande lote de chamadas a uma função, como por exemplo em uma integração, não é uma boa idéia lançar milhões de exceções. Acontece que do ponto de vista de design também não será uma boa idéia, pois numa integração em lote você não precisa de exceção mas sim de um log. Em tempo: de qualquer modo já vi integração falhando e lançando milhões de exceções e ainda assim o fim do mundo não veio.
Usar exceções como fluxo normal pode ser menos "elegante" e "correto".
Verdadeiro. Mas eu usei exceções na minha segunda abordagem e ela não está deselegante, tampouco incorreta. Então, novamente, o problema não é com as exceções, mas sim com o uso que podemos fazer dela - como com qualquer outro recurso de uma linguagem de programação. Mesmo o recurso mais básico da maioria das linguagem, o IF, é extremamente mal utilizado, e não se vê muita gente dizendo para jamais utilizá-lo.
O ideal sendo testar as pré-condições antes de se fazer uma operação ou chamar um método. Ou, para sinalizar um erro ao chamador, usar um código de erro ou similar.
São decisões de design, que consideram requisitos inclusive não funcionais, não dá para generalizar o que é certo ou errado. Na minha primeira abordagem eu usei código de erro, na segunda usei exceções. Na minha opinião, a segunda abordagem é melhor (código mais limpo e expressivo). E na sua?
Somente nos casos realmente imprevisíveis é que seria adequado se usar um try...catch.
Pelo contrário, é justamente quando você prevê um erro que você deve se preocupar com a captura do erro, seja no nível mais alto da aplicação para mostrar uma mensagem ou de maneira mais localizada, no código de negócio, para trilhar um caminho alternativo.
Se você não sabe que erro esperar, é melhor nenhum try-catch
. Deixe a aplicação estourar ou mostre no nível mais alto da aplicação uma mensagem amigável para o usuário e ao mesmo tempo informativa para o suporte.
Entretanto, ao aprender Python me deparei com uma filosofia bastante diferente: nessa linguagem há muitos casos em que o modo recomendado (e às vezes o único modo) de se tratar uma condição indesejada é tentar executá-la e, se algo der errado, capturar a exceção.
Se este for o jeito Python, por diversos fatores que desconheço, ou nas vezes em que é o único modo, simplesmente não há o que discutir - terá que ser feito desta maneira.
Mas assumindo-se que não só linguagens novas possam ser criadas, como as existentes possam ser aprimoradas, pergunto: existem vantagens claras de um desses paradigmas sobre o outro?
É a linguagem quem vai dizer. Go (ou go lang) não tem exceção mas tem outros sofisticados recursos que o Java e C# ainda não tem. Se a discussão puder ser trazida para uma linguagem específica, daí sim podemos descrever as vantagens de um paradigma sobre o outro.
Que parâmetros eu devo observar ao decidir entre uma abordagem e outra?
Quando você puder escolher a abordagem, o único parâmetro é a expressividade do código. Acontece que qualquer bom julgamento de design algumas vezes simplesmente é jogado ao lixo por um outro que algumas vezes manda mais: performance. Que isso não sirva de licença para jogar todo o bom design no lixo porque o sistema precisa ser ultra performático. Existem padrões, justamente de design, para garantir que os requisitos não funcionais de um processo crítico não afetem o design de todo o sistema.
Por fim, há algum meio termo razoável que combine os benefícios de ambos sem que o ônus caia no programador?
Generalizando esta pergunta um pouco mais que o propósito original dela, a resposta é não. O ônus da decisão sempre vai ficar com o programador. Não há uma recomendação matemática que sirva para todos os casos. Eu não tenho muitas dúvidas sobre lançar ou como tratar exceções, entretanto tenho enorme dificuldade de repassar esta segurança. Cada programador precisa se preocupar em fazer as coisas de um jeito sempre melhor de modo a desenvolver uma experiência que lhe leve a um bom e simples design, usando ou não exceções.
Conclusão final
Talvez o livro The Pragmatic Programmer entregue o ouro de maneira simples e simétrica entre todas as linguagens que dispõem de exceções:
Segundo o livro (referenciado por Martin Fowler):
Nós acreditamos que exceções raramente deveriam ser usadas como parte do fluxo normal de um programa: exceções deveriam ser reservadas para eventos inesperados. Assuma que uma exceção não capturada vai terminar o seu programa e pergunte a si mesmo: "Este código continuará a rodar se eu remover todos os tratamentos de exceção?" Se a resposta é "não", então talvez as exceções estejam sendo usadas em circunstâncias não excepcionais.
Exemplo de código que atende esta premissa:
public synchronized void baixaEstoque(Produto produto, int quantidade) {
if (!produtoDisponivel(produto, quantidade)) {
throw new BusinessException("Produto não disponível nesta quantidade");
}
// ... (baixa o estoque de fato);
}
Código consumidor no nível mais alto do aplicativo:
if (estoque.produtoDisponivel(produto, quantidade)) {
ReservaProduto reserva = estoque.reservaProduto(produto, quantidade);
} else {
mensagens.add("Produto não disponível nesta quantidade");
}
// e, em outra requisição:
try {
estoque.baixaProduto(reserva.getProdutoReservado(), reserva.getQuantidadeReservada());
} catch (BusinessException e) {
mensagens.add(e.getMessage());
}
O estoque espera que não seja baixado o que não estiver disponível, mas como é sua função tratar concorrência, ele sabe que há a infeliz possibilidade de o produto não estar mais lá quando da efetiva baixa.
Todavia, se eu remover o tratamento de exceção (remover tanto o throw
quanto o catch
), no caminho feliz (o caminho padrão e mais provável) o código continuará a funcionar.
Exemplo de código que NÃO atende esta premissa:
public Cliente obtemCliente(String cpf) {
Cliente cliente = db.find(Cliente.class, cpf);
if (cliente == null) {
throw new CpfNaoCadastradoException(cpf);
}
return cliente;
}
O e-commerce acabou de entrar no ar. O primeiro usuário encheu um carrinho e quando mandou fechar a compra o seu CPF foi solicitado. E então o seguinte código foi invocado:
try {
Cliente cliente = obtemCliente(cpf);
} catch (CpfNaoCadastradoException) {
redirecionaParaCadastroCliente(cpf);
}
solicitaLogin(cliente);
No exemplo acima, se eu remover o tratamento de exceções o código não vai rodar nem na primeira tentativa de uso do sistema.
try / except
e projetos Java onde nada é testado e todas as exceções são embrulhadas emRuntimeException
... Acho que vamos acabar caindo em uma verdadeira discussão sobre escolas de fluxo de exceção :).RuntimeException
é uma má prática? Já fazer testes para evitar exceções, não tão óbvio... Há de existir um ponto ideal, mas me carecem parâmetros mais objetivos para identificá-lo do que simplesmente meu feeling caso a caso. Eu próprio me sinto estranho, sempre recomendando aos programadores de Java (com a qual trabalhei tempos atrás) evitar o abuso de exceções, ao passo que no dia-a-dia trabalhando com Python eu me vejo forçado a usá-las de um modo bem diferente... :PRuntimeExceptions
genéricas por anti-pattern óbvio. Fui reclamar na fonte (nossa, já fazem 4 anos) e tomei uma invertida. Como disse, escolas de pensamento :).