Começo citando um comentário dado na pergunta original do SO em inglês:
if statements are evil in the way hammers are evil. Some people might
misuse them, but they're an essential tool. – Dominic Rodger Oct 12
'09 at 12:08
Em tradução livre: "Comandos IF são tão demoníacos como martelos. Algumas pessoas fazem mal uso deles, mas são ferramentas essenciais."
Esse comentário faz sentido na medida de que sem uma estrutura de controle de fluxo simplesmente não é possível se construir um programa de computador que seja útil, afinal a resolução de problemas depende de decisões em algum escopo.
Muito embora os IFs sejam realmente elementos fundamentais em qualquer linguagem de programação, as linha de argumentação que classificam os comandos IF como ruins - como a campanha Anti-IF citada na pergunta - não são tão dogmáticas como parecem. Como indicado no próprio site da Campanha Anti-IF, seu lema é esse:
The goal of the Anti-IF Campaign is to raise awareness of effective
use of software design principles and practices, first of all removing
bad, dangerous IFs.
Em tradução livre: "O objetivo da campanha Anti-IF é sensibilizar os desenvolvedores sobre o uso efetivo dos princípios e práticas de projeto de software, em especial a remoção de IFs ruins ou inseguros."
Apesar de usarem uma estratégia de marketing arrojada (ao dizer que o IF é demoníaco - ou evil no original em inglês), o que essas campanhas propõem é que se tome cuidado com a utilização de condicionais em situações em que eles podem estar sendo mal utilizados ou até mesmo serem perigosos no sentido de dificultar a manutenção do código.
O exemplo clássico é baseado em uma única classe (a fonte original desse código merece um +1 só por ser claramente inspirada nas piadas do grupo britânico de humor Monty Python!):
public class Passaro {
private double m_dVelocidadeBase;
private double m_dFatorPeso;
private int m_iNumCocos;
private boolean m_bPregado;
private double m_dVoltagemChoque;
private TipoPassaro m_eTipo;
. . .
double getVelocidade() {
switch (m_eTipo) {
case TipoPassaro.ANDORINHA_EUROPEIA:
return m_dVelocidadeBase;
case TipoPassaro.ANDORINHA_AFRICANA:
return m_dVelocidadeBase - (m_dFatorPeso * m_iNumCocos);
case TipoPassaro.PAPAGAIO_AZUL_NORUEGUES:
return m_bPregado ? 0 : m_dVelocidadeBase * m_dVoltagemChoque;
}
throw new RuntimeException ("Oops! Essa parte do código não deveria ser executada.");
}
. . .
}
Nesse exemplo, a classe Passaro
pode representar diferentes tipos de instâncias de pássaros (entre elas, as andorinhas Européia e Africana e o papagaio Azul Norueguês), e por isso o método getVelocidade
tem uma complexidade grande relacionada às diferentes formas com que a velocidade do pássaro é calculada com relação ao seu tipo. Essa complexidade está expressa na necessidade de se ter uma série de decisões (vários if
ou, igualmente, um switch
) com relação ao tipo de pássaro. Se, existirem outros métodos nessa classe (como, por exemplo, getPiado
, getFome
, etc), muito provavelmente eles também deverão ter IFs para tratar as diferenças, e a complexidade da solução e dificuldade de manutenção apenas aumentarão (pois, se um novo tipo de pássaro precisar ser adicionado, todos os lugares/métodos com IFs precisarão ser alterados).
A forma sugerida de contornar o problema é decorrente do uso apropriado dos conceitos de herança, abstração e polimorfismo da Orientação a Objetos. Ao invés de ter uma única classe Passaro
e instanciá-la para cada diferente tipo de pássaro, pode-se torná-la em uma classe abstrata (isto é, que não pode/deve ser instanciada) ou em uma interface, para que contenha as propriedades e assinaturas de métodos padrão entre os diferentes tipos de pássaros. Pode-se então criar novas classes, uma para cada tipo de pássaro propriamente dito (classes AndorinhaEuropeia
, AndorinhaAfricana
e PapagaioAzulNoruegues
, no exemplo), de modo que elas herdem da classe-base Passaro
e implementem as especificidades de cada tipo em seus próprios métodos sobrescritos.
O resultado (também baseado na fonte original referida anteriormente) seria o seguinte:
public abstract class Passaro {
private double m_dVelocidadeBase;
. . .
double getVelocidade() {
return m_dVelocidadeBase;
}
. . .
}
public class AndorinhaEuropeia extends Passaro {
. . .
// Apenas um exemplo, pois é desnecessária a reimplementação nesse caso,
// uma vez que ela não altera o método original da classe pai.
double getVelocidade() {
return super.getVelocidade();
}
. . .
}
public class AndorinhaAfricana extends Passaro {
private double m_dFatorPeso;
private int m_iNumCocos;
. . .
double getVelocidade() {
return super.getVelocidade() - (m_dFatorPeso * m_iNumCocos);
}
. . .
}
public class PapagaioAzulNoruegues extends Passaro {
private boolean m_bPregado;
private double m_dVoltagemChoque;
. . .
double getVelocidade() {
return m_bPregado ? 0 : super.getVelocidade() * m_dVoltagemChoque;
}
. . .
}
Dessa forma, os IFs não são necessários porque cada classe específica (herdadas de Passaro
) implementa sua própria forma de calcular a velocidade. Além disso, o polimorfismo da orientação a objetos permite tratar os passaros de maneira generalizada, de forma que é possível lidar com as diferenças sem precisar fazer IFs explícitos:
Passaro oUmPassaro = new AndorinhaAfricana();
Passaro oOutroPassaro = new PapagaioAzulNoruegues();
Passaro oPassaroQualquer = fabricanteDePassaros.criaUmPassaro(); // Método independente de criação
System.out.println(oUmPassaro.getVelocidade());
System.out.println(oOutroPassaro.getVelocidade());
System.out.println(oPassaroQualquer.getVelocidade());
Se compararmos as duas abordagens considerando uma eventual futura necessidade de se adicionar um novo tipo de pássaro (digamos, o Tucano), que tem suas próprias formas de calcular a velocidade (tamanho do bico talvez influencie?), notaremos que na primeira abordagem será necessário adicionar um novo tipo à enumeração, e será principalmente necessário adicionar um novo caso (isto é, um novo IF) ao método getVelocidade
da classe Passaro
. Na segunda abordagem, a classe Passaro
não precisa ser alterada, bastando apenas criar uma nova classe Tucano
e herdá-la de Passaro
.
Essa distinção não apenas influencia no montante de código a ser escrito (e aqui alguém poderia argumentar que adicionar um IF é bem mais fácil - e usa menos linhas de código - do que criar toda uma nova classe) e a facilidade de manutenção (novamente, alguém poderia argumentar que é mais fácil localizar onde alterar se todo o código estiver em uma só classe), mas em outras questões importantes. Por exemplo, em linguagens como C++, recompilar o código após uma alteração em uma classe utilizada em vários locais causa uma tempo de compilação maior (pois mais dependências são recompiladas). Se a abordagem 2 for utilizada, os arquivos que dependem das demais classes (outros pássaros que não o Tucano) não precisam ser recompilados. Deve ser claro que isso tem impacto também nos testes já realizados. Quanto mais localizada é uma alteração, menos chance ela tem de causar defeitos (bugs) de regressão.
Note ainda que esse exemplo é bem específico. Nesse cenário, as diferenças do cálculo da velocidade decorrem de comportamentos distintos entre os objetos, o que por si só já indica que faz muito sentido construir uma hierarquia de classe. Isso quer dizer que, além dos benefícios argumentados o código resultante é potencialmente de um entendimento mais simples e claro.
Por isso, de forma alguma isso quer dizer que o comando IF é malígno. Apenas que seu uso em exemplos como esse não parece ser a forma mais indicada de resolução do problema, especialmente em linguagens orientadas a objetos. Seguramente pode-se fornecer exemplos em que utilizar uma sequência de IFs é mais direto e simples do que construir toda uma estrutura de classes. O que me ocorre neste momento é um exemplo de exibição de mensagens de erro:
public void displayErrorMessage(Error e) {
if(e.Type() == IOError.FILE_IS_READ_ONLY) {
// Mensagem de aviso, solicitando fechar outras aplicações e tentar novamente
}
else if(e.Type() == IOError.FILE_EXISTS) {
// Mensagem de aviso importante, solicitando anuência
}
else if(e.Type() == IOError.ERROR_WRITING_DATA) {
// Mensagem crítica, informando impossibilidade de gravação
}
. . .
}
Claro que seria possível construir essa mesma decisão por meio de uma hierarquia de classes, mas isso não parece realmente necessário nesse exemplo, especialmente se a classe Error
é nativa da linguagem. Ainda que a classe seja definida pelo próprio programador (em que se poderia herdar os diversos tipos de erros e especializar um método getErrorMessage de forma similar ao exemplificado anteriormente), as questões que cabem aqui são: quantas novas mensagens de erro de IO poderão surgir no futuro? há realmente alguma possibilidade de alteração em que os IFs irão realmente prejudicar o entendimento ou a manutenção desse código?
Pra encerrar, eu gostaria de citar esse outro exemplo em que a campanha é por se evitar o uso de FORs. No exemplo citado, propõem-se trocar esse código:
public class Department {
private List<Resource> resources = new ArrayList<Resource>();
public void addResource(Resource resource) {
this.resources.add(resource);
}
public void printSlips() {
for (Resource resource : resources) {
if(resource.lastContract().deadline().after(new Date())) {
System.out.println(resource.name());
System.out.println(resource.salary());
}
}
}
}
por esse:
public class Department {
private List<Resource> resources = new ArrayList<Resource>();
public void addResource(Resource resource) {
this.resources.add(resource);
}
public void printSlips() {
new ResourceOrderedCollection(this.resources).select(new InForcePredicate()).forEachDo(new PrintSlip());
}
}
com a criação de três classes e duas interfaces. O problema apontado é que originalmente o método printSlips
faz mais do que deveria, porque faz uma iteração entre os recursos (o for
), faz a seleção de que recursos devem ser impressos (o if
) e tem a responsabilidade de imprimir os itens componentes de cada recurso (os diversos System.out.println
). A solução cria uma classe para conter e iterar sobre os recursos, uma para definir a seleção e uma para imprimir recursos.
Essa alternativa é bacana, mas há outras. Por exemplo, a própria classe Resource
poderia ter um método toString
que já imprime o que deve ser impresso, e o método printSlips
poderia receber como parâmetro uma instância de classe para verificação das condições de impressão (isto é, um filtro).
De todas as formas, qual é a melhor? Leia o post original e tire as suas próprias conclusões. Novamente, isso não quer dizer que o FOR seja maléfico, demoníaco ou ruim. :)