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No Python podemos implementar uma class abstrata a partir do módulo abc e uma das formas é a classe herdando de abc.ABC:

from abc import ABC

class AbstractClass(ABC):
    @abstractmethod
    def method(self):
        ...

A partir desta classe podemos definir uma subclasse a partir da herança direta:

class Subclass(AbstractClass):
    def method(self):
        return "Metodo da subclasse"

Ou definindo uma subclasse virtual a partir de AbstractClass.register:

class VirtualSubclass:
    def method(self):
        return "Metodo da subclasse virtual"

AbstractClass.register(VirtualSubclass)

Ao verificar a partir da função issubclass ambas as classes satisfarão a condição:

print(issubclass(Subclass, AbstractClass))  # True
print(issubclass(VirtualSubclass, AbstractClass))  # True

Veja funcionando no Ideone

Então qual é a diferença entre implementar uma subclasse a partir da herança ou virtualmente a partir do register? Quando utilizar a subclasse virtual?

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  • 1
    @JeffersonQuesado Se não me engano cada classe armazena um conjunto de referências às subclasses que possui. A função issubclass verifica se a classe faz parte deste conjunto. Neste caso, a função register apenas adicionaria a referência à classe nesse conjunto, sem passar pela construção da herança.
    – Woss
    27/09/2019 às 17:44
  • 1
    A discussao estava indo num rumo bom - escrevi a resposta sem ler os comentários aqui, e acho que cobri os dois lados da conversa. :-) Comentem lá.
    – jsbueno
    27/09/2019 às 22:10
  • 2
    Aumentei a resposta agora, explicando melhor esse uso que fiz do recurso.
    – jsbueno
    30/09/2019 às 22:29
  • 1
    Por "coincidência" tem um artigo escrito na semana passada falando sobre isso: hillelwayne.com/post/negatypes (estou lendo agora)
    – jsbueno
    3/10/2019 às 18:04
  • 1
    (e na verdade, achar "iterables que não são strings" em particular é bem útil sim, em Python - acho que vou deixar na minha malinha de utilidades)
    – jsbueno
    3/10/2019 às 18:10

1 Resposta 1

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TL;DR: - atualização - A principal motivação para criação dessa funcionalidade da linguagem (não a chamada a .register, e sim, todo o conceito e mecanismo de "virtual subclassing") quase certamente foi poder registrar classes built-in em código nativo como dict e list como sendo instâncias dos tipos mais genéricos collections.abc.Mapping e collections.abc.Sequence (e outros tipos compatíveis). O uso desse mecanismo para classes criadas pelo usuário tem utilidade limitada, como está em detalhes abaixo:

O feio

A resposta mais simples é: você praticamente nunca vai precisar!

Mas se estiver em um projeto que use o static type hinting com MyPy, pode ser que precise - (e aí, provavelmente vai descobrir que nem tudo são flores ao aumentar a complexidade, e sua opção, apesar de lógica e a coisa certa não vai funcionar, por que tem coisas mal-feitas nesse caminho aí)

Vamos por partes:

O que implementar uma classe MinhaCLasse como uma subclasse virtual de outra ClasseBase faz é que, quando em algum ponto no código, seu, ou de qualquer pessoa usando a sua MinhaClasse é uma instância da ClasseBase, com issubclass(MinhaClasse, ClasseBase) retorne True.

Então, indo pra um exemplo mais concreto - você cria uma classe que se comporta como uma sequência de Python - implementa por dentro __getitem__, __len__, e outras coisas, mas não herda direto nem de list, nem de collections.abc.Sequence. Aí você Isso faz, por exemplo, que se você fosse usar sua classe com uma biblioteca que vá usar "sequencias" de Python. Se o seu time que escreveu esse outro código, e vocês combinaram de sempre testar se um objeto é passado testando isinstance(obj, collections.abc.Sequence), legal - sua chamada vai funcionar, e a junção do seu código com o restante do código do seu time vai funcionar direitinho.

Só que - quantas vezes você já testou se um objeto que vai usar como uma sequência é uma sequência usando isso? No mundo real, são raras bibliotecas que vão checar se seu parâmetro é uma sequência mesmo usando essa comparação - na prática, seu objeto vai ser plugado num for do outro lado, e, se ele não responder direito ao protocolo de "iterable", acontece uma exceção - e pronto, todos ficam felizes. :-)

Isso é - você executa isso aqui:

...
class MinhaSeq:
   ...

collections.abc.Sequence.register(MinhaSeq)
...

def qualquer_funcao():
    items = MinhaSeq(...)

    biblioteca_x.funcao_y(items)

E, se lá do outro lado, na biblioteca_x, a pessoa prestar cuidar disso, o código poderia estar assim:

def funcao_y(obj):
    for item in obj:
        funcao_z(item)

Daí, se por acaso, sua MinhaSeq não funcionasse como uma sequência ou iterável, a linha que tem o for iria causar um TypeError.

Agora, se lá na biblioteca_x eles "pensaram nisso", o código poderia estar assim:

import collections.abc

def funcao_y(obj):
    if not isinstance(obj, collections.abc.Iterable):
         raise TypeError("funcao_y precisa receber um iterável")
    for item in obj:
        funcao_z(item)

Parabéns - agora o TypeError acontece exatamente uma linha antes! E - a biblioteca_x só vai funcionar pra quem ou herdar de uma sequencia oficial do Python, ou lembrar de chamar o "register". Ou seja - do lado da biblioteca_x, ela não facilitou o uso para terceiros, e não ganhou nada com essa checagem.

(e você tem uma checagem a mais de "isinstance", que se for num laço apertado pode dar diferença de performance, embora essa seja uma situação rara em código Python (isso é: uma única chamada a isinstance ter impacto na performance de um trecho de código))

o correto

Agora, sim, com a PEP 484, e checagem estática, a biblioteca_x poderia ter o código assim:

import typing as T

def funcao_y(obj: T.Iterable[T.Any]):
    for item in obj:
        funcao_z(item)

Observe que nesse caso a biblioteca_x consegue ajudar o usuário que está preocupado em fazer chamadas com a tipagem correta num projeto grande: o projeto vai incluir a execução do "mypy" em tempo de teste/q.a. e se a chamada no seu código passar um objeto que não seja um "Iterable" isso vai ser acusado antes do código estar em execução ou produção. E, se, por outro lado, quem for usar a biblioteca_x não estiver preocupado com essa checagem, não vai estar checando o projeto dele com "mypy" e vai só fazer a chamada - que vai funcionar como no primeiro caso acima, sem nenhum código a mais em tempo de execução.

Daí vem o problema com a "virtual subclass": ela não vai funcionar nesse caso! Por que o "mypy" (e outras ferraments similares), não tem como descobrir que você vai chamar o "collections.abc...register" para sua classe na análise estática: ele vai acusar erro na sua chamada da mesma forma.


Só para dar um exemplo bem real de quando digo que a "bibitoeca_x" não vai fazer o teste com o isinstance: não é uma anedota - isso não acontece no mundo real - não acontece nem na biblioteca padrão do Python. O encoder de JSON, por exemplo, exige instâncias reais de dict e list (ou subclassses diretas) para funcionar, e não vai funcionar com `collections.abc.Sequence. Essa semana mesmo teve uma pergunta com alta complexidade no SOen sobre isso, envolvendo usuários com reputação altissima, e assuntos complexos (como "metaclasses") - e descobrindo bugs na própria implementação padrão do Python: https://stackoverflow.com/a/58031309/108205 (disclaimer: eu estava envolvido na questão e a minha foi a resposta aceita).


(continuando o correto): O que fazer então?

bom, você quer usar alguma verificação de tipagem no Python e fazer as coisas direito do ponto de vista de OO? Então o certo é lembrar que quando o mecanismo do "register" e o virtualsubclassing foi criado, ainda não se tinha pensado na checagem de tipos opcional estática do Python que está ganhando popularidade hoje em dia. O que aconteceria no caso acima, é que em vez de se preocupar em registrar MinhaSeq como uma subclasse virtual de collections.abc.Sequence, você avisaria com as recomendações da PEP 484 e o módulo Typing que a sua classe respeita a interface typing.Sequence.

O problema? É que código Python tipado pra funcionar com o MyPY fica chato de escrever. Por exemplo, se você já declarou a classe MinhaSeq sem ser compatível, pela sua herança, com o tipo de sequencia, não pode simplesmente fazer um "=" declarando que agora ela é compatível - ou seja, isso aqui: (TL;DR: o exemplo abaixo é a forma recomendada em Python modermo de se criar outras classes que apresentem uma interface entendível pelo MyPy -- ou seja, quando se está preocupado formalmente com a tipagem no projeto):

import collections.abc
import typing as T

class MinhaSeq(collections.abc.Sequence[T.Any]):
    ... 

Funciona - mas não é, obviamente equivalente a chamar o .register depois que a classe foi criada. O mais parecido seria usar o typing.cast - O "typing.cast" é algo que não faz nada em tempo de execução - devolve o mesmíssimo objeto com que foi chamado - mas passa informação para o checador estático, no caso o mypy, sobre o tipo do objeto retornado. O problema?? O mapeador estático já vai ter aprendido sobre o MinhaSeq e não deixa vocẽ alterar o tipo dela depois da declaração - então o retorno do cast, que ele vai entender que é um tipo "Sequence" tem que ser para um nome parecido, mas não o mesmo:

import collections.abc
import typing as T

class _MinhaSeq:
    ...

MinhaSeq = T.cast(T.Type[T.Sequence[T.Any]], _MinhaSeq) 

E aqui, você estaria pronto pra chamar a funcao_x(obj: T.Iterable[T.Any]): passando instâncias de MinhaSeq

O divertido

Apesar de não ter uso prático - mesmo em código super-pedante quanto a tipagem, o interessante das classes virtuais é justamente o "conceito". Pode ser que a ideia volte com mais força daqui há alguns anos (se o "mypy" prestar a mesma atenção na chamada ao "register" que ele presta na chamada ao "typing.cast" por exemplo, a coisa já funcionaria)

Por baixo dos panos, são mecanismos para deixar super-classes responder de forma programática as chamadas de isinstance e issubclass que estão em jogo - o méto "register" das classes ABC é só uma forma das classes ABC anotarem como é que seus métodos especiais __subclasscheck__ e __subclasshook__ são usados - e é possível sim ter algum projeto que faça um uso legal e com aplicações práticas disso. Mas, como está definida hoje, seria díficil usar as subclasses virtuais num projeto com aplicação prática além de provas de conceito.

Um caso de uso

Como "exceção para confirmar a regra", durante o último final de semana fui implementar uma funcionalidade em que "virtual subclassing" pareceu prover uma funcionalidade interessante. Eu não teria lembrado desse recurso se não tivesse interagido com essa pergunta - e teria simplesmente usado uma subclasse.

Há esse projeto livre que estou desenvolvendo - uma biblioteca para desenhos e artes com unicode no terminal - https://github.com/jsbueno/terminedia - Nele, eu tenho uma hierarquia de classes que começa com "Shape" e provê algumas classes especializadas para conter dados gráficos e textuais (por exemplo, uma das classes carrega um arquivo de imagem binário, e mantém os dados internos como uma imagem do PIL, uma outra mantém os dados como strings, e tem um mapa de cores que funciona como uma paleta: cada caractere pode representar uma cor distinta, etc...).

Todas as classes "Shape" tem em comum que os seus dados são lidos e modificados através dos métodos __getitem__ e __setitem__ - e eu queria prover uma classe de "view" que permitisse escolher uma área menor dentro de um Shape - por exemplo, o retângulo entre as posições (5,5) e (15,10) - e poder alterar dados nessa view como se fosse uma "Shape" - mas o conteúdo da posiçao "0,0" da view iria alterar de forma transparente o conteúdo da original, na posição "5, 5". E assim por diante para qualquer operação gráfica na view: ela apresenta os mesmos métodos e atributos que uma "Shape", mas os dados internos são os da instância original, e todo o endereçamento é feito só dentro da região de interesse (ROI).

A lógica para uma view dessas é bem simples - ela tem que se preocupar em prover alguns poucos atributos, e acessar de forma transparente todos os outros atributos da instância original. Em Python isso é possível customizando-se o método __getattribute__ de uma classe, com cuidado.
Então não faz sentido eu ter que ter toda a lógica das Shape na ShapeView, mesmo de forma herdada - (e seria herdada se eu não estivesse usando o virtualsubclassing - isso não consumiria recursos "a mais"). A ShapeView só tem que se "preocupar" em fazer as transformações necessárias nas coordenadas para seu papel de proxi.

Bom, acontece que no restante do projeto, há alguns pontos em que um objeto do tipo "Shape" é esperado. Como o ShapeView - sendo um proxy para uma Shape - pode fazer tudo o que uma Shape pode, faz sentido ele poder "dizer que é uma Shape, mesmo sem herdar diretamente de uma". E aí que o virtualsubclassing faz exatamente o que seria interessante: o código que verifica a classe com isinstance(data, Shape) vai achar que é uma shape. E mesmo que dentro do projeto isso só aconteça em poucos lugares, com o virtualsubclassing, eu posso incentivar esse pattern para os usuários da bilbliteca - vai continuar funcionando.

O que eu precisei fazer? Primeiro, a classe base "Shape" tem que se tornar uma classe que permite o registro de subclasses virtuais. Isso pode ser feito simplesmente herdando de abc.ABC da bilblioteca padrão. E veja que interessante, exatamente a Shape base tinha alguns métodos "abstratos" - que precisam ser overriden pelas subclasses, mas eu não tinha me dado ao trabalho de herdade de abc.ABC só por conta disso - como o foco do projeto (pelo menos no momento), não é estar 100% de acordo com todas as boas práticas de OO, eu simplesmente tinha um raise NotImplementedError nesses métodos que precisam ser re-escritos na subclasse. O @abstractmethod do módulo abc de Python faz pouco mais que isso, então não estava usando. Mas já que eu ia usar a base ABC para o virtualsubclassing, não tem por que não usar o decorador @abstractmethod nos 3 lugares em que ele faz sentido.

Um outro ponto qe é legal notar é que, então eu precisava chamar Shape.register(ShapeView) para "ativar" o virtualsubclassing. E, como qualquer callable em Python que receba um callable como único argumento, isso pode ser feito com a sintaxe de decorator - ou seja, o registro da subclasse virtual pôde ser feito assim:

@Shape.register
class ShapeView:
    ... 

https://github.com/jsbueno/terminedia/blob/140c934da66c0186e52741cbb0dacfa6bc16f0b7/terminedia/image.py#L351

(nota: a chamada .register funciona como um decorator por que devolve o argumento original - se ela retornasse None, isso não funcionaria - na documentação tem uma nota que na versão 3.3 do Python se deram conta disso e mudaram pra funcionar).

Bom - aí, por fim, pra por água na fervura - eu estava empolgado que todo o conteúdo da classe ShapeView tinha ficado mínimo - ela só precisava customizar o acesso a atributos, implementar __setitem__, __getitem__ além de width, height e size para funcionar como um Shape que faz bem mais coisas -- e me dei conta de com está a implementação, eu precisei replicar nele os namespaces com os métodos de desenho em si - aí não ficou mais tão distante assim de uma "Shape". Então - por esse lado - o ShapeView teve que reimplementar muita coisa do Shape - o virtualsubclassing não trouxe tantos ganhos assim. Mas por outro lado, um ShapeView pode estar associado a qualquer das outras subclasses de Shape - e prover acesso transparente a atributos como PixelClass - talvez para isso funcionar direito, eu acabaria tendo que fazer todas as shapes terem que ter as funcionalidades que estão na "ShapeView" - ou criar subclasses dinâmicas, cada vez que um shapeview fosse criado. - então talvez o saldo do virtualsubclassing ainda seja bastante positivo.

Disclaimer: pelo tamanho do texto usado só pra explicar o caso de uso concreto, dá pra perceber que virtualsubclassing não é uma funcionalidade que se vá usar toda hora.

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  • Só comentando que já li a resposta, mas ainda não consegui analisá-la por completo, até porque parecer ter muito conteúdo para extrair dela. Já ganhou o meu voto.
    – Woss
    29/09/2019 às 16:43
  • No exemplo que eu citei, strategy pattern, então não é caso de uso. Eu gostaria de saber a respeito desse proxy(deixei a estrela no git) da classe Shape sobre a classe ShapeView, pergunto porque quero aprender, não seria o caso de usar um padrão de adaptador, adapter pattern, ao invés de um proxy em vista do que foi colocado nessa resposta. 30/09/2019 às 12:01
  • 1
    Bom - primeiro, esse é um projeto de hobby, "céu azul" - em que meu objetivo é (1) ter APIs que permitam criar desenhos e gráficos com unicode no terminal (e em breve outros backends), e (2) deixar essas apis o mais sucintas e intuitivas possíveis para usuários externos. 'boas práticas' e ' patterns' são adotados a medida que me ocorrem no desenvolvimento. A ShapeView permite acesso a um subconjunto dos dados de imagem de um objeto associado, expondo os mesmos métodos de desenho e etc... e faz isso a partir de um "slice" do objeto original, sem cópia de dados.
    – jsbueno
    30/09/2019 às 12:46
  • 1
    eu ainda não tenho certeza se manter a shapeview em uma hierarquia separada das Shapes é um preciosismo desnecessário, e se ela não poderia apenas ser uma subclasse de 'Shape". Uma refatoração por um mixin ontem a noite deixou ela ainda mais parecida - mas, mesmo que seja uma subclasse de Shape, ela continuaria atuando como um proxy para os dados da Shape associada - isso parece estar certo. Não é o caso de "Adapter" por que quem vai usar a shapeview vai usar a mesma interface que existe em uma Shape (AFAIK, "Adapter" é, grosso modo, uma forma de traduzir uma interface pra outra)
    – jsbueno
    30/09/2019 às 12:49
  • 1
    Quanto ao exemplo que você ctou - "strategy pattern" - sim, pode ser um caso de uso - mas num projeto bem diferente, e menos usado em Python por conta do dinamismo da linguagem.
    – jsbueno
    30/09/2019 às 12:50

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