Sim - ha casos em que referências recíprocas naturalmente são a forma mais prática de se resolver vários problemas, e esse que você chegou é um desses.
Qual é o problema disso? Não muitos - num sistema de longa vida, com muita criação e destruição de objetos você pode ter casos em que o garbage colector do Python vai se perder e vai "vazar memória" - mas nem você vai ter tantas ocorrências assim num único jogo, e nem o grabage collector se perde tanto. (No caso de você criar novas instâncias do player em outras "fases" e do player ter ele mesmo callbacks para tratar eventos de teclado/mouse/joysitick você poderia ter efeitos colaterais mais drásticos).
O que a linguagem tem para garantir que você não tenha problemas com referências recíprocas? As "weakreferences" - são referências fracas em que, uma vez que o objeto original não exista mais, o objeto que fazia referência passa a apontar para o "vazio" - isso evita potenciais problemas de objetos persisitndo na memória quando não estiverem mais em uso. Falo mais delas abaixo.
Quanto ao "problema semântico" de - no caso - o jogo precisar saber quem é o player, e o player precisar saber qual é o jogo, esse de fato é um 'não problema'. Normal. Em alguns projetos é normal você ter um registro (registry) unificado de alguns dos tipos de objeto no jogo - por exemplo, o "jogo" poderia ser um "singleton" - nesse caso, o jogador não precisa de um "self.game" - sempre vai ter um "game" global disponível onde ele pode chamar métodos. Da mesma forma, o "player", se for um objeto único (sem multi-players simultâneos, etc...) poderia ser um recurso global, terminado nos métodos apropriados do jogo, em final de jogo, mudança de fase, etc...
Mante-los como referências nas instâncias recíprocas é mais ordenado e organizado que os recursos globais - portanto não tem problema nenhum - e facilita justamente multiplayers, modos demo, jogador controlado pelo computador (que pode ser outra instância de player, estar no mesmo "game", mas em outra parte do mapa, por exemplo).
Para manter a resposta completa, há uma forma "bonita" e independente da linguagem de programação, de se evitar as referências cruzadas, se você preferir: é em todos os métodos do jogador (que precisarem disso), você passar a instância do jogo como parâmetro. Ou seja, em vez de self.player.update()
, a assinatura do método "update" de Player seria def update(self, game):
e suas chamadas seriam self.player.update(self)
. Eu nunca fiz assim - mas é perfeitamente viável.
Então de fato, só fica a questão prática de evitar hipotéticos vazamentos de memória ou recursos, o que é resolvível com o weakref que mencionei acima. Em Python você pode fazer isso:
from weakref import proxy
class Game:
def __init__(self):
self.player = Player(self)
def redraw(self):
print(self.player)
class Player:
def __init__(self, game):
self.game = proxy(game)
def update(self):
try:
self.game.redraw()
except ReferenceError:
# self.game foi apagado
pass
E, testando no terminal:
In [25]: g = Game()
In [26]: p = g.player
In [27]: p.update()
<__main__.Player object at 0x7fc3a856a438>
In [28]: del g
In [29]: p.update()
In [30]:
Se você optar por fazer isso, vale a pena ler a documentação do módulo de weakref - há formas mais práticas do que try...except ReferenceError:
para usa-las, como por exemplo, dicionários e listas em que itens são apagados automaticamente se a instância para a qual apontam deixa de existir.
Em tempo, para dar um exemplo real de como essas "referências cruzadas" são bastante usadas justamente no contexto de jogos: eu gosto muito de usar a biblioteca Pygame - dentre suas poucas vantagens está a de ter uma api simples para desenhos 2D e controle em tempo real do teclado e eventos do mouse, e não ser um framework: o desenvolvedor é responsável por todo o fluxo do jogo. No Pygame a questão de referências a objetos no jogo é tratada com o que ele chama de "grupos de sprites" - um objeto de jogo (tem que ser uma subclasse específica), tem um método "kill", e pode estar em um ou vários "grupos". Esses grupos funcionam como conjuntos (sets) do Python - por exemplo, eu poderia ter um grupo com todos os objetos que se movem no jogo - sejam tiros, naves, o jogador, etc.., e um grupo com um único objeto (a única instância do Player) - Então o jogador está em vários grupos - e a simplicidade da coisa é que: você chama o método kill
do jogador, e ele mesmo se remove de todos os grupos (portanto não será chamado na próxima atualização de "tudp o que se move"). Perceba que para isso há implicitamente a "referência recíproca": ou seja, o objeto "sabe" em que grupos está. E tudo funciona lindamente, sem efeitos colaterais, e de forma transparente para o programador final (tanto que eu nem sei se o pygame usa weakrefs em seus pygame.sprite.Group
ou não.)