Disclaimer: Como o utluiz, também sou Javeiro. Em especial dá escola de linguagens fortemente e estaticamente tipadas; acredito em sistemas de tipagem complexos e compiladores aptos a eliminar inconsistências cedo para evitar problemas em tempo de execução. Trocando em miúdos, sou um cara que tende bem mais para Scala do que para Python; de maneira que defender mecanismos de Duck Typing e Late binding é, no mínimo, fazer o papel de advogado do diabo.
A resposta do utluiz foi bastante completa no sentido de ilustrar as vantagens e desvantagens do Duck Typing conforme bos práticas de modelagem de sistemas, porém, gostaria de trazer a tona alguns dos problemas típicos que podem surgir com interfaces e classes abstratas, com especial foco naqueles que podem ser amenizados através de Duck Typing.
Interfaces vs Duck typing
Interfaces, traits e classes / métodos abstratos são maneiras de definir contratos. Esses contratos nada mais são do que acordos sintáticos. Exemplo:
Se você quer participar da minha corrida você tem que ter um método void correr(Point destino)
que será disparado no começo da corrida e um método Point getPosicao()
que me retorne a sua posição a todo momento.
Dessa forma eu entrego a você uma interface Corredor
que você deve implementar como bem entender. Você se registra na corrida como um Corredor
e eu não estou interessado em nenhum outro aspecto seu além desses que previamente combinamos.
Veja que um acordo sintático pode ser desrespeitado semanticamente, ou seja, o método correr
, desde que obedeça a assinatura da interface pode fazer qualquer outra coisa além de correr. O "contrato" dá uma sensação de segurança (através de algum nível de acoplamento), mas no fundo a única coisa que ele garante é a presença de determinados métodos em determinado objeto.
O Duck Typing também é um acordo sintático:
Eu espero que qualquer corredor que se registre na corrida implemente os métodos correr
e getPosicao
, você não precisa necessariamente assinar nenhum contrato comigo agora, porém você me promete que é capaz de fazer isso, se não as coisas ficarão complicadas na hora da corrida.
Por esse motivo Duck Typing é comumente associado a erros em tempo de execução, linguagens dinamicamente tipadas e late binding. Há maneiras elegantes de trabalhar com Duck Typing em linguagens estaticamente tipadas, inclusive obtendo erros em tempo de compilação (veja a parte sobre Duck Typing em Scala) mas esse não é o ponto aqui.
Há também uma certa desconfiança sobre a semântica dos métodos expostos pelo corredor. Como o método correr
não segue um contrato, ele pode ter sido escrito antes do planejamento da minha corrida, será que ele faz exatamente o que eu preciso? Veja que de uma maneira ou de outra, com ambas as abordagens é possível desrespeitar semanticamente o contrato.
A diferença principal entre um mecanismo e outro é:
Com uma interface você concorda explicitamente a priori que trabalhará conforme a minha definição do que faz um corredor; esse contrato, desse momento em diante, fará parte da sua definição essencial (e.g., Pessoa implements Corredor
).
VS., Para ser um corredor você tem que agir como um corredor conforme a minha definição de corredor no momento em que estiver correndo.
Múltiplos contratos
Interface tem as suas vantagens, mas também seus problemas. Dentre eles, possíveis explosões de complexidade.
Imagine que um atleta de Triathlon que nada, anda de bicicleta e corre precisa atender à determinado contrato. Ele não deixa de ser um corredor, nadador ou ciclista por definição, logo acaba assinando um contrato que herda de outros contratos:
interface Triathloner extends Corredor, Nadador, Ciclista
Pessoa implements Triathloner
Veja que estamos assinando um contrato um tanto quanto pesado aqui, as barreiras entre é-um e se comporta como um começaram a ficar cinzas.
Imagine agora que o mesmo atleta quer participar de outra competição ao estilo Triathlon, porém que substitui ciclismo por escalada. Ele não quer deixar de ser um atleta de Triathlon, logo, acaba implementando duas interfaces que herdam de outros contratos:
interface Triathloner extends Corredor, Nadador, Ciclista
interface TriathlonerII extends Corredor, Nadador, Escalador
Pessoa implements Triathloner, TriathlonerII
Novamente a complexidade está aumentando. As nossas interfaces estão deixando de fazer sentido.
Operações opcionais
Imagine agora uma terceira situação, em determinado evento o atleta pode escolher entre pedalar
ou escalar
mas obrigatoriamente deve correr
e nadar
. Como modelar esse contrato? Deve o atleta implementar uma interface específica para aquele evento? Devemos carregar a interface de genéricos e construir um mecanismo com novos métodos e late dispatching para distinguir o atleta que sabe nadar daquele que quer nadar na competição? Deve o atleta que não sabe nadar implementar o método nadar
com um corpo vazio (ou talvez uma exceção)?
Mas esse exemplo parece um tanto quanto forçado não? Esse é o exato caso da a API de Listeners AWT em Java. Eis um exemplo:
Um MouseListener deve implementar os métodos mouseClicked
, mouseEntered
, mouseExited
, mousePressed
e mouseReleased
. Caso um Listener
esteja interessado em apenas parte dos eventos ele deve herdar da classe abstrata MouseAdapter
que implementa todos os métodos de MouseListener
(bem como de MouseMotionListener
, MouseWheelListener
e EventListener
) com corpos vazios. Isso permite ao usuário sobrescrever apenas os métodos de seu interesse.
Os problemas aqui são óbvios: Completa mistura entre "ser um" e "se comportar como", classes abstratas com todos os métodos concretos e sem corpo, bem como absoluta confusão sobre quais interfaces implementar e/ou quais adapters estender:
interface MouseListener extends EventListener
interface MouseMotionListener extends EventListener
interface MouseWheelListener extends EventListener
interface MouseInputListener extends MouseListener, MouseMotionListener
abstract class MouseMotionAdapter implements MouseMotionListener
abstract class MouseAdapter implements MouseListener, MouseWheelListener, MouseMotionListener
abstract class MouseInputAdapter extends MouseAdapter implements MouseInputListener
Do outro lado temos a API de Ajax do jQuery que espera um objeto qualquer (e opcional) settings
. Todas as propriedades e métodos desse objeto são opcionais:
$.ajax();
E:
$.ajax({
type: "POST",
url: "some.php",
beforeSend: function( xhr ) {
xhr.overrideMimeType("text/plain; charset=x-user-defined");
},
dataType: "json",
data: { name: "John", location: "Boston" },
success: function( data ){
console.log(data);
}
});
Pense na complexidade para desenvolver uma API similar sem Duck Typing... A interface para callbacks e métodos manipuladores, os design patterns como Builder entrando em ação e assim por diante.
E olha que bacana, com Duck Typing dá até para reaproveitar o mesmo objeto no método jQuery.post. Ele ignorará a propriedade type
e o método beforeSend
e utilizará o restante das propriedades sem que você tenha que modificar o objeto de nenhuma maneira.
Sistema de Tipos Estrutural
Existe um meio termo entre as vantagens do Duck Typing (contratos "locais", acoplamento mais fraco, simplicidade, etc) e a checagem de tipos em tempo de compilação?
Existe. São os chamados tipos estruturais. Eis um exemplo em Scala:
def registraCorredor(corredor: {def correr(destino: Point): Unit}) {
corrida.registrar(corredor);
}
Nesse caso um corredor pode ser qualquer objeto que possua um método correr
; o tipo corredor não precisa implementar nenhuma interface, porém se o método correr
não existir no objeto corredor
passado como parâmetro para a função registraCorredor
o compilador acusará erro. Combine isso com outras "mágicas" de Scala como a função apply e valores default para parâmetros e temos o melhor dos dois mundos.