Vejamos o Javadoc do método atan2(double, double)
, já traduzido para o português por mim:
public static double atan2(double y,
double x)
Retorna o ângulo teta da conversão das coordenadas retangulares (x, y)
para as coordenadas polares (r, teta)
. Este método computa a fase teta ao computar uma arco-tangente de y/x
no intervalo -pi a pi. Casos especiais:
Se qualquer argumento for NaN
, então o resultado é NaN
.
Se o primeiro argumento é zero positivo e o segundo argumento é positivo, ou o primeiro argumento é positivo e finito e o segundo argumento é infinito positivo, então o resultado é zero positivo.
Se o primeiro argumento é zero negativo e o segundo argumento é positivo, ou o primeiro argumento é negativo e finito e o segundo argumento é infinito positivo, então o resultado é zero negativo.
Se o primeiro argumento é zero positivo e o segundo argumento é negativo, ou o primeiro argumento é positivo e finito e o segundo argumento é infinito negativo, então o resultado é o valor double
mais próximo de pi.
Se o primeiro argumento é zero negativo e o segundo argumento é negativo, ou o primeiro argumento é negativo e finito e o segundo argumento é infinito negativo, então o resultado é o valor double
mais próximo de -pi.
Se o primeiro argumento é positivo e o segundo argumento é zero positivo ou zero negativo, ou o primeiro argumento é infinito positivo e o segundo argumento é finito, então o resultado é o valor double
mais próximo de pi/2.
Se o primeiro argumento é negativo e o segundo argumento é zero positivo ou zero negativo, ou o primeiro argumento é infinito negativo e o segundo argumento é finito, então o resultado é o valor double
mais próximo de -pi/2.
Se ambos os argumentos são positivo infinito, então o resultado é o valor double
mais próximo de pi/4.
Se o primeiro argumento é positivo infinito e o segundo argumento é negativo infinito, então o resultado é o valor double
mais próximo de 3*pi/4.
Se o primeiro argumento é negativo infinito e o segundo positivo é negativo infinito, então o resultado é o valor double
mais próximo de -pi/4.
Se ambos os argumentos são negativo infinito, então o resultado é o valor double
mais próximo de -3*pi/4.
O resultado computado deve estar dentro de 2 ulps do resultado exato. Resultados devem ser semi-monotônicos.
Parâmetros:
y
- a coordenada ordenada
x
- a coordenada abscissa
Retorna:
O componente teta do ponto (r, teta)
em coordenadas polares que correspondem ao ponto (x, y)
em coordenadas cartesianas.
Ok, talvez você não entenha entendido nada da documentação, afinal de contas ela utiliza conceitos matemáticos um tanto complicados. Para entendê-la, vamos considerar isso:
Esqueça os casos especiais, eles estão aí apenas para resolver indeterminações que ocorreriam em situações bem peculiares e incomuns.
Esse negócio de 2 ulps é apenas uma forma de se especificar uma margem de erro. Isso existe porque a representação do double
usa um número finito de bits (64), mas o resultado exato do atan2
pode ser (e quase sempre é) um número irracional, e que portanto não tem como ser representado com exatidão em qualquer quantidade finita de bits. Esse negócio de semi-monotônico é para indicar que números muito próximos dentro da margem de erro não produzirão resultados em ordens inversas das esperadas. Entretanto, esses detalhes aqui não devem importar para o problema que você quer resolver.
O método do Java trabalha com double
s e não com float
s. Imagino que o processing esteja disponibilizando uma atan2
com float
s por simplicidade. No entanto, seja como for o caso, o efeito prático será o mesmo.
Observe que a ordem dos parâmetros é y
e x
, e não x
e y
.
O float
e o double
mantêm o sinal do zero, diferenciando +0 de −0. Eles também podem representar +∞ e −∞ e uma coisa chamada NaN
. Isso tudo provavelmente não vai ser importante para você. O motivo dessas coisas acontecerem é assunto para alguma outra pergunta.
Teta é o nome de uma letra grega: θ. Assim como pi é π.
A questão é que você tem que imaginar que temos o sistema cartesiano e o polar:
No sistema cartesiano, você tem coordenadas (x, y)
onde x
é a distância entre o ponto que você tem e a linha vertical que passa pela origem (ou seja, o quanto que esse ponto está movido para os lados) e o y
é a distância entre o ponto que você tem e a linha horizontal que passa pela origem (ou seja, o quanto que o ponto está movido para cima ou para baixo).
Já no sistema polar, você tem coordenadas (r, teta)
onde teta
é a direção em que o ponto que você tem está a partir da origem e r
é a distância até ele.
Se você estivesse em um campo plano, em busca de um tesouro enterrado, com um papel contendo as instruções para achá-lo em mãos, e nesse papel estivesse escrito, "vire 60 graus para a esquerda e ande 500 metros", isso seria uma orientação usando coordenadas polares. Mas se estiver escrito "ande 250 metros para frente e então 433 metros para a sua esquerda", então são usadas coordenadas cartesianas. As duas orientações chegam no mesmo lugar1, embora na primeira você vá percorrer uma distância menor.
1: Na verdade há uma diferença de cerca de um centímetro. O valor correto seria 433,012701892... metros.
No entanto, fica a pergunta:
Se no papel estiver escrito que devo andar 250 metros para frente e então 433 metros para a minha esquerda, mas estou com muita pressa porque o tempo é curto e não posso andar mais que o necessário, como eu poderia saber que o que eu teria que fazer é virar 60 graus para a esquerda e então andar 500 metros?
A distância podemos resolver pelo teorema de Pitágoras. Temos que 250 metros e 433 metros são os catetos de um triângulo retângulo e o trecho a se percorrer é a hipotenusa. Logo:
Arredondando-se o erro de um centímetro, deu 500 metros.
E agora que já sabemos a distância a percorrer, como podemos saber a direção?
Olhando para as coordenadas cartesianas, o x
é a distância que eu percorreria para frente (ou para trás se for negativo) e o y
é a distância que eu sigo para algum lado. Qual lado? Direita ou esquerda? O plano cartesiano normalmente é desenhado com o sentido positivo do x
indo para a direita e o do y
para cima. Assim sendo, se você desenhar isso num papel e girar o papel colocando-o sobre o chão com o eixo x
virado para a sua frente, o eixo y
vai ficar apontando para a sua esquerda, e portanto o y
seria a distância que você seguiria para a esquerda (ou para a direita se for negativo). É importante que seja dessa forma, pois os ângulos com as coordenadas polares são medidos a partir do eixo x
e giram em direção ao eixo y
chegando nele ao atingir 90 graus. Com esse sistema de coordenadas que temos, os ângulos positivos seriam então expressos no sentido anti-horário, ou seja, girando para a esquerda (e os ângulos negativos seriam para a direita, no sentido horário).
Enfim, para converter as coordenadas cartesianas para polares e obter o teta (ou seja, θ) é onde o atan2
entra:
(desprezando-se aquele erro de cerca de 1 cm vez que não é exatamente 433 metros)
Esse é uma medida em radianos.
Convertendo para graus:
Ou seja, 60 graus girando para a esquerda.
Dito isso, vamos ver o seu código:
float getAngle() {
return atan2(height-mouseY, mouseX);
}
A origem do sistema é o pixel no canto superior esquerdo. Assim sendo, mouseX
é a distância (na horizontal) da borda esquerda da tela até posição do mouse e mouseY
é a distância (na vertical) da borda superior da tela até a posição do mouse.
No entanto, temos que notar que o sentido positivo do y
na tela não é para cima, e sim para baixo. Isso vai fazer com que as coordenadas polares girem para a direita ao invés de ser para a esquerda.
Esse height-mouseY
é interessante. Imagine um segmento de reta vertical cortando a tela da borda superior à borda inferior e passando pelo ponto onde o mouse está. Esse ponto dividirá esse segmento de reta em duas partes, uma acima e uma abaixo da posição do mouse. O tamanho das duas partes juntas é height
, que é a altura da tela (que é a distância entre a borda superior e a inferior). O tamanho da parte acima da posição do mouse é igual a distância entre a borda superior e essa posição, ou seja, mouseY
. Logo, o tamanho da parte abaixo dessa posição é o tamanho total menos o tamanho da parte de cima, ou seja height-mouseY
.
O que height-mouseY
ser a parte de baixo significa? Significa que essa é a distância entre a posição do mouse e a borda inferior da tela. Isso é um truque para mover a origem para o canto inferior esquerdo ao invés do canto superior esquerdo. No entanto, esse truque gera um efeito colateral que é o de inverter o sentido do eixo y
, afinal de contas, o sinal de mouseY
está negativo, e portanto o sentido dele está invertido. Isso faz com que o novo y
resultante dessa transformação novamente aponte para cima e faz com que os ângulos das coordenadas polares voltem a girar para a esquerda.
Com isso aplicamos o atan2
. Ele vai dar a direção entre o canto inferior esquerdo da tela e a posição do mouse em radianos, considerando que o ângulo zero seria aquele onde o mouse está sobre a borda inferior.
Se o ponto de origem está no canto inferior esquerdo, então, a menos que o mouse pudesse estar fora da tela, não há como ele estar abaixo e nem à esquerda do ponto de origem, ele necessariamente tem que estar acima e à direita (ou no máximo na mesma linha, seja na horizontal ou na vertical). Considerando que o ângulo zero seria aquele sobre a borda inferior (reto para à direita a partir da origem) e que as coordenadas estão girando para a esquerda, temos que 90 graus será o ângulo sobre a borda esquerda da tela (reto para cima a partir da origem). Isso significa que qualquer que seja o ângulo resultante de qualquer ponto dentro da tela, ele estará entre 0 e 90 graus. Ou se preferir, entre 0 e π/2 radianos.
Para finalizar, ainda há um caso interessante: Se o mouse estiver exatamente no canto inferior esquerdo, temos que o ângulo formado entre o canto inferior esquerdo e a posição do mouse é... indeterminado! Não dá para calcular um ângulo entre dois pontos se esses dois pontos na verdade forem um só! É aí que os casos especiais entram. Isso provavelmente vai cair no segundo caso especial e resultar em +0.