A estrutura do compilador
Internamente, o compilador é dividido em várias partes: Análise léxica; análise sintática, análise semântica, geração de código e otimização de código.
A primeira dessas partes, a análise léxica, é responsável por picotar o código-fonte em tokens. Por exemplo, ao escrever public static void main(String[] args) {
, o analisador léxico vai ver 11 diferentes tokens: public
, static
, void
, main
, (
, String
, [
, ]
, args
, )
e {
. Além disso, a análise léxica já faz uma classificação básica do token: public
, static
e void
são palavras-chave da linguagem; main
e String
são identificadores, (
, )
, [
, ]
e {
são símbolos especiais. Identação e comentários são descartados pela análise léxica e não constituem tokens.
Na análise sintática, os tokens serão agrupados para que o compilador tente entender a estrutura do programa. Nesta etapa, ele vai ver que modificadores de acesso (public
e static
) seguidos de um tipo void
, seguido de um nome main
, seguido de uma lista de parâmetros entre parênteses corresponde a declaração de um método.
A análise sintática transforma o código em uma estrutura em forma de árvore, onde abaixo do nó que representa a classe, temos nós que representam campos, construtores e métodos. Dentro dos nós que representam métodos, temos nós que representam o tipo de retorno, os modificadores, os parâmetros, as exceções e o corpo. Dentro de cada nó que corresponde ao corpo de um método, temos vários outros nós que correspondem a cada instrução do método.
A análise semântica é a etapa responsável por verificar se o programa obtido da análise sintática faz sentido, verificando se todas as variáveis usadas foram declaradas e inicializadas, se todos os métodos chamados existem e têm os parâmetros dos tipos corretos, se não há variáveis com nomes repetidos no mesmo escopo, etc.
Os literais int
e long
A análise léxica ao encontrar um 9797
irá emitir um token do tipo literal int
e ao encontrar um 9797L
irá emitir um token do tipo literal long
. A resposta para a sua dúvida é que a diferenciação é feita na análise léxica. Veja aqui a especificação léxica dessa parte.
Para que o analisador léxico saiba distinguir o literal int
do literal long
, resolveram que se tem o sufixo L
ou l
, então é um literal long
, se não, é um literal int
. Essa é uma regra bem simples e bem fácil de se entender.
Não daria para ser diferente?
É verdade que podiam fazer de outro jeito, mas o projeto do compilador fica mais fácil se o analisador léxico já puder separar os literais int
s dos literais long
s, ao custo de colocar esse detalhe na linguagem com o sufixo l
ou L
. O mesmo ocorre com o literal float
que necessita do sufixo f
ou F
para diferenciar do literal double
.
A necessidade de haver esses literais expressos justifica-se em especial com a presença do autoboxing:
Object a = 555;
Object b = 555L;
System.out.println(a.getClass().getName()); // java.lang.Integer
System.out.println(b.getClass().getName()); // java.lang.Long
Sem a presença do sufixo, construir-se o 555 como long
iria exigir um cast.
Se não houvesse esse sufixo L
, você teria que usar isso para criar um long
sem o sufixo:
long y = (long) 922337203685477807;
Mas isso não funciona porque o número 922337203685477807 já está fora da faixa válida para o int
, então não dá para construí-lo antes de fazer o cast. Ele necessariamente deve ser construído como long
. Aí temos o sufixo L
para isso.
Poderiam ter feito que esses números já são long
por padrão, mas aí na hora de usar isso:
int x = 555;
Você teria um problema porque o literal é long
e a variável é int
. Para resolver isso ou você teria que colocar um sufixo nos int
s, o que seria bem pior (ter que usar 555i
ao invés de 555
), ou teria que usar casts explícitos para int
sempre, que seria horrível, uma vez que int
s estão em todos os lugares.
Uma outra possibilidade seria o compilador fazer uma análise contextual para saber se o número cabe no int
ou não. Mas isso não é viável. Por exemplo:
int f = 150096 * g - h / 5;
Como saber se isso cabe ou não no int
sem usar casts e nem sufixos específicos? Até é possível fazer, mas isso complica bastante a análise sintática e semântica do compilador para resolver um detalhezinho simples da linguagem. Ou seja, complicaria bastante a estrutura do compilador.
Outra possibilidade seria o analisador léxico verificar se o número está na faixa do int
, emitindo um token de literal int
se estiver ou um literal long
se não estiver. Mas isso teria efeitos colaterais um tanto confusos:
Object a = 2147483647; // java.lang.Integer
Object b = (long) 2147483647; // java.lang.Long - Tem que ter o cast
Object c = 2147483648; // java.lang.Long - Surpresa! Agora não precisa mais do cast.
No caso do byte
e do short
, não há literais para eles, o que é muito chato e portanto casts sempre são necessários a partir de int
, long
ou char
. Por exemplo:
byte b = (byte) 123;
short s = (short) 1234L;
Entretanto, como o int
e o long
são maiores que o byte
e o short
, o cast pode ser usado, diferentemente do caso do long
para o int
.
No caso do float
e do double
, ocorre o inverso porque o tipo menor é que exige o sufixo, o que livra o tipo maior de ter que fazê-lo. Adotar o mesmo em relação ao int
e ao long
não seria prático porque significaria que o int
é que teria que ter o sufixo (555i
).
float
tem o mesmo comportamento. Se você fizerfloat x = 10.0;
o10.0
será um literaldouble
e não umfloat
. É necessário fazerfloat x = 10.0F;
oufloat x = 10.0f;
para que o valor seja "verdadeiramente"float
.