Sobre float e double
Esses são tipos definidos pela IEEE. Sua representação é dada pelo sinal, expoente e mantissa. Sem pegar nos pormenores, se tiver 3 dígitos para representar a mantissa:
d0 d1 d2
1 1 0
O valor da mantissa é 11.
11? Mas só vi dois bits ligados, 11 precisa de 3!
Sim, e tem o terceiro bit ligado. d3
é implícito para números normalizados. E esse bit é sempre ligado nessas condições. A mantissa acima é interpretada como se fosse o seguinte número:
d0 d1 d2 d3
1 1 0 1
O expoente vai resultar em um número qualquer dentro do intervalo. Não pretendo entrar em maiores detalhes aqui. Vamos assumir que o valor resultante seja e
para o expoente e m
para a mantissa. O valor final então é:
m * 2 ^ e
Como m
é um número formado pelos bits da mantissa (deslocados para a esquerda para ficar entre 1 e 2), podemos reescrevê-lo assim (para i
sendo a posição do bit e q
o total de bits):
m = somatório b_i * 2 ^ (i - q)
Então, substituindo na fórmula acima:
somatório b_i * 2 ^ (e + i - q)
Ou seja, todo número de ponto flutuante representado por esse esquema é uma soma de pontências de 2. Devido a características matemáticas, todo somatório (finito) de potências de 2 tem representação finita na base 10, mas o contrário não é verdade. Por exemplo, é impossível representar 0.2 como um somatório finito de potências de 2; você representaria como uma dízima periódica sim, mas dízimas periódicas não são representáveis no formato mantissa * base ^ expoente
, sendo mantissa
definida por uma soma finita.
Como existem números que não são representáveis, eles são aproximados por números bons o suficiente. Com isso se gera um erro de cálculo.
Para cada valor de expoente distinto, há um erro distinto associado ao cálculo.
DECIMAL em SQL Server
No SQL Server, o tipo DECIMAL
serve para indicar números de ponto fixo. O que isso significa? Significa que estamos trabalhando com números inteiros a maior parte do tempo. A bitagem é fixa, sua precisão vai até o dígito menos significativo.
Sua forma geral é:
n * 10 ^ (-s)
Onde n
é um inteiro (de 32, 64, 128 ou 256 bits, de acordo com a precisão escolhida; referência), e s
é a escala, um número positivo. Sua precisão vai até 10 ^ (-s)
, valores inferiores a isso não podem ser representados, precisando portanto serem arredondados ou truncados.
O erro associado ao cálculo é sempre menor do que 10 ^ (-s)
, muitas vezes sendo mitigado usando o arredondamento bancário.
A multiplicação e a divisão exigem um tratamento especial nesse campo. A divisão terá o resultado arredondado ou truncado, assim como se precisa de uma rotina especial para descartar os valores irrelevantes da multiplicação.
BigDecimal
em Java
Se você está interessado apenas em calcular, não precisa saber muito além do que usar os métodos dessa classe para calcular.
De modo geral, ela permite um input
de tamanho arbitrário com uma precisão absurdamente alta.
Por baixo dos panos, normalmente ele contém um BigInteger
por baixo e uma escala. Ele tem a mesma representação matemática do que o DECIMAL no SQL Server:
n * 10 ^ (-s)
Sendo que aqui n
é um número inteiro de bitagem variável (o BigInteger
mencionado anteriormente).
O erro associado é menor do que 10 ^ (-s)
, sendo que é possível definir o valor de s
em execução para ser grande o suficiente. Arredondamento bancário mitiga ainda mais o erro.
Note que aqui temos uma classe Java que fará operações que não são suportadas diretamente pela ULA, o que consome processamento adicional e uso de memória.
Decimal
em C#
Não tenho muito a falar sobre isso por falta de vivência. Mas pelo que eu li, ele se parece muito com o DECIMAL do SQL Server.
Como usar cada uma?
Caso você precise de precisão no cálculo até certa escala, independente do valor sendo calculado, você está no caso de usar um BigDecimal
ou equivalente. Em um sistema de vendas que eu presto suporte, usamos BigDecimal
com precisão que varia de 6 a 30 dígitos (normalmente 30 para divisões, 6 para todas as outras operações). Nossos valores obtidos de imposto nunca foi tão preciso depois de migrar 100% do cálculo para essas especificações.
float e double são mais rápidos, eficientes e econômicos do que os BigDecimal
s do Java; não posso afirmar muito sobre o Decimal
do C#, mas creio que para multiplicação seja muito mais leve. Normalmente, nos processadores mais modernos, existe um núcleo de processamento de aritmética de ponto flutuante. Usando esse tipo de variável, o erro incorrido é proporcional ao valor mais significativo da mantissa. Isso quer dizer que um valor de 1 que aceita um erro de 2 ^ -4
significa que o valor de 0.25 aceita um erro de 2 ^ -6
.
Cálculo de 30% de imposto
Vamos colocar um exemplo de cálculo de imposto para exemplificar o erro associado ao cálculo de ambos os tipos de dados.
Digamos que vendamos gatos persas. O imposto que incide sobre eles é 30%. Sabendo que eu vendi 72 gatos a 524.7500 cada, Quanto devo pagar para o governo de
Imposto?
Aplicar 30% significa multiplicar por 0.3.
Java e BigDecimal
30% de imposto é 30 deslocado 2 casas para a esquerda (ou 3 deslocado uma casa para a esquerda). Como é um número inteiro, e não houve divisão alguma, não houve perda de precisão. Multiplico isso por 72, um inteiro que posso representar sem perder precisão com o BigDecimal
. 524.7500 é equivalente a 52475 deslocado duas casas para a esquerda. Ao todo, após as multiplicações, teremos um valor inteiro não arredondado/valor inteiro exato deslocado quatro casas para a esquerda.
Cálculo com float
524.75 é representado pela seguinte soma de potências de 2:
512 + 8 + 4 + 0.5 + 0.25
Ou então:
2^9 + 2^3 + 2^2 + 2^-1 + 2^-2
Conseguimos representar sem perda de dados se houver 11 bits para a mantissa.
Por que 11 dígitos de mantissa?
Eu estava relendo essa publicação e fiquei na dúvida "por que 11? Não deveriam ser 12?" Afinal, estamos trabalhando com dígitos das posições 9 até a posição -2. Isso resulta em 12 casas! Mais especificamente, ordenado por significância: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, 0, -1, -2.
O que eu mesmo havia esquecido era que o dígito mais significativo em números não denormalizados tem o valor implícito 1. Isso significa que não é necessário armazenar o dígito da posição 9, apenas os das posições 8 até a posição -2.
Precisamos multiplicar esse valor por 72, que é um valor inteiro portanto trivialmente sabemos que é uma soma de potências de 2.
O resultado disso, então, é multiplicado por 0.3. 0.3 não tem representação finita como soma de potências de 2, portanto ele será representado por um número próximo o suficiente, mas não exato. Se tiver 11 bits para a mantissa, a precisão do número resultado da representação de 0.3 é de 2 ^ -13
, o que significa que o representante terá erro da ordem de 2 ^ -13
.
Viu como em um simples cálculo foi possível inserir um erro em uma representação mas não em outra?
Infinite Series sobre ponto flutuante
Se tem um canal do YouTube que vale a pena acompanhar é o Infinite Series. Recentemente, eles subiram semana passada um vídeo falando de como se dá a computação de ponto flutuante, e um dos exemplos dados é que 0.1 + 0.1 != 0.2
, pois 0.1
em binário é uma dizima periódica e, portanto, não pode ser representado na notação científica (usando mantissa finita) na base 2. Esse é um dos principais argumentos contra usar aritmética de pontos flutuantes para resolver questões que envolvam dinheiro.
Ressaltando aqui, o BigDecimal
do Java e muitos outros esquemas se utilizam de inteiros de tamanho arbitrário para representar mantissas, depois coloca a vírgula decimal em qualquer ponto desse número. Apesar de finito, como esse esquema de cálculo permite uma precisão arbitrária de p
casas (portanto erro de 5 * 10 ^ -(p+1)
ao se fazer cálculos), temos certeza no cálculo dessas quantias (ie, 0.1 + 0.1 = 0.2
quando se tem p >= 1
) na precisão escolhida.
Computerphile sobre ponto flutuante
O canal Computerphile ("computadófilo" em interpretação livre) comenta que número de ponto flutuante é apenas notação científica em base 2, com uma limitação de representação. E que isso é ótimo para representar grandezas tão grandes quanto o tamanho do universo e a distância entre o núcleo atômico e o orbital de um elétron.
Nesses casos, a notação científica é benéfica pois ela consegue representar significativamente os números e os erros do arredondamento do cálculo estão dentro do esperado. Os erros do arredondamento desses cálculos por vezes pode ser menor do que o erro inerente da medição de certas grandezas (adendo meu, o canal não comenta isso, mas é verdade sim).
Sobre os erros nos cálculos, o exemplo que o apresentador fornece é na renderização de gráficos 3D de um jogo. Se por acaso o a renderização de um elemento gráfico esteja deslocado um centésimo ou um milésimo de pixel, esse erro é aceitável e facilmente ignorado na percepção do jogador.
Em um ponto do vídeo, o apresentador fala de um exemplo de cálculo financeiro com ponto flutuante. Somar 0.1
com 0.2
dá um erro de cálculo inaceitável para aplicações financeiras. Então, ele sugere trabalhar com inteiros (na unidade dos centavos ou uma fração dos centavos) ou então usar o decimal
proveniente na sua linguagem de programação.
DECIMAL
normalmente não vejo como ponto flutuante, mas como ponto fixo. Por exemplo, no sql server, é assim que funciona – Jefferson Quesado 10/07/17 às 16:25BigInteger
eBigRational
. Em c++ é necessario bibliotecas especificas para isso, tais como estas – Isac 10/07/17 às 17:05