Posso falar um pouco da minha experiência no meu local de trabalho. Resumo a priori: estamos trabalhando para tentar começar uma CI confiável para, então, termos uma CD para entregar valor ao cliente o mais cedo possível.
História de ciclo de desenvolvimento
Em 2013, onde eu trabalho atualmente, usava um único VCS de geração 2 (SVN mesmo; para nomenclatura, vide Eric Sink) para guardar os fontes Java; tínhamos 2 produtos que, em teoria, deveriam desempenhar o mesmo conjunto de funções: um projeto para dispositivo móvel (TotalCross) e outro para portal de gerenciamento (GWT). No final das contas (incluindo hábitos dessa geração e cultura da empresa), isso significava que alterações de códigos para inovações (adições de features, experimentos, etc) e manutenções (correções de bugs e melhorias de performance) eram feitas no mesmo branch. No fim das contas, isso significava que:
- o desenvolvedor trabalhava num esquema de código
V1
;
- quando tinha conflito, quem ganhava no final das contas era quem deixava para entregar o trabalho por último, sobrescrevendo o código de quem quer que tenha mexido concorrentemente;
- no final das contas, o que era commitado de fato era o código
v2
(após resolver os conflitos);
- era feito o build do código
v3
para teste;
- o teste encontra uma falha em
v3
, mas o desenvolvedor que pega essa falha já está em v5
(!!!!);
- a correção é feita e se entrega
v6
;
- faz-se o build de teste
v7
para teste;
- teste aprova
v7
, então é feito o build v8
para produção;
v8
apresenta problemas óbvios em produção que v7
não apresentava;
- viram-se noites com o código
v12
para produzir uma v13
final;
v13
corrige todos os problemas de v8
, mas aí um cliente detecta uma regressão em relação ao que ele estava usando;
- pega-se
v17
e tenta corrigir rapidamente, produzindo uma v18
;
- o testador pega o build de testes
v21
e aponta outros problemas de regressão;
- pega-se o código em
v30
e corrige-se esses problemas, gerando a versão de testes v31
;
- o testador homologa o build de
v32
;
- os clientes homologam o build de
v37
;
- vai para produção o build de
v42
(!!!).
Sim, esse era o tamanho do trauma para se lançar versões... No final, um ciclo de lançamento de novas funcionalidades era de 6 a 8 meses, então chegava uma caixa misteriosa que o cliente tentava usar.
Isso começou a mudar em setembro de 2014, quando aconteceram as seguintes mudanças:
- mavenização dos projetos;
- mudança para um VCS de geração 3 (git);
- adoção de uma variação do GitFlow;
- todo código só entra no
master
ou develop
após revisão (via merge request);
- gerenciamento visual através de um portal web (GitLab CE).
Isso evitou ter o caos de manutenção em produção, permitindo agora que os desenvolvedores passassem a ter noites de sono. O que o testador homologa agora é o mesmo build que o cliente homologa e usa em produção. Também, devido ao ambiente de homologação, os erros eram capturados numa sandbox muito mais segura. Essa quebra de paradigma (de código único para código estável / master
e código instável / develop
) melhorou nossa qualidade de código e estabilidade de novas versões, porém não ajudou na velocidade de lançamento.
Mesmo com as constantes revisões de códigos, acontecia de o build quebrar após a aceitação de um ou outro merge request; os motivos eram realmente aleatórios, mas enfim... Então, o primeiro passo em direção à CI foi dado: toda criação de um merge request resulta na execução automática do build para o resultado do merge. Isso detectou muitos problemas relativos a isso, poupando o tempo do revisor e do abençoado que iria corrigir isso.
No final de 2014, foi detectado que boa parte dos problemas encontrados no código do portal era de funcionalidades idênticas às do código do móvel; então, em maio 2015, foi feita a unificação das bases de código, criando o coração do sistema que precisava de duas carcaças: UI e acesso ao banco. No caso, o menor esforço que tínhamos para alcançar essa unificação era a aplicação injetar as dependências de banco no coração, enquanto que a UI se encarregava de chamar o coração para fazer os encaminhamentos certos. Após um período de estabilização decorrente dessa mudança de arquitetura (algo entre julho e outubro de 2015), conseguimos lançar versões de 3 em 3 meses. Boa parte do atraso técnico do portal (features não implementadas e bugs corrigidos no móvel) foi corrigido com isso, sendo portanto o foco das atenções agora funcionalidades nova e performance.
Ainda assim, estávamos aquém do nosso objetivo de velocidade: uma versão final fechada e testada por semana (ainda não chega a ser CD, mas quase lá). Razão da nossa lentidão? Regressão. O que precisávamos para impedir regressão? Teste. Porém, contratar pessoal de teste para fazer coisas tolas e repetitivas para toda versão lançada é muito desperdício de dinheiro. A solução viável? Testes automatizados.
Os testes automatizados começaram a ser escritos em agosto de 2015, porém a criação desses testes só conseguiu ganhar tração em julho de 2016. Em outubro de 2016, passamos a colocar que um merge request só seria aceito se tivesse teste automático. Isso servia para diversos motivos:
- se o merge request fosse um
hotfix
, acontecia a prova de que o código de produção estava errado;
- garante que uma feature nova se comporta bem para alguns cenários previstos/comuns;
- evita a simples existência de regressão.
Desde o momento que ganhou tração (em julho de 2016) até o fim do mês de março deste ano (2017), os testes automatizados não trouxeram o aumento da velocidade na liberação, porém deu maior credibilidade às builds. A partir de 10 de abril, então, estamos no ritmo de 1 versão para cada duas semanas, com cada vez maior estabilidade a cada versão.
Conclusão
Bem, estamos deixando cada vez mais suave o desenvolvimento dos nossos softwares (móvel, portal e coração). Quando o desenvolvimento alcança uma suavidade muito grande, então obtemos a integração contínua. Os objetivos de ter uma integração contínua, no nosso contexto, são dois:
- valorizar o software (sob o ponto de vista do cliente) mais rapidamente;
- garantir que o que funciona antes continua funcionando.
Com a integração contínua, podemos passar para um próximo estágio: entregar continuamente ao cliente valor.
Não estamos numa corrida para por CD simplesmente porque CD é bonito, porque está na moda. Imagina ter uma entrega contínua com o fluxo de entrega descrito logo no começo? Entrega contínua deve visar o cliente e deve ser feito de forma responsável. Não pretendemos perder cliente porque cada lançamento bissemanal quebra tudo que havia anteriormente; reconheço que as vezes irritamos os clientes quando mudamos o visual ou deixamos a navegação mais fluida/intuitiva, porque ele já estava acostumado com o esquema antigo, mas não os perdemos pelo menos =)
O maior risco que CD pode ocasionar é falhar no segundo objetivo descrito acima: garantir que o que funciona antes continua funcionando. Uma CD feita de maneira irresponsável não garante essa estabilidade.
O risco imposto por CI é infinitamente menor do que o imposto por CD, porém é muito grande quando comparado a uma integração mais lenta. Basicamente, uma CI irresponsável pode atrapalhar o primeiro objetivo descrito acima: valorizar o software (sob o ponto de vista do cliente) mais rapidamente, pois o branch com o código instável develop
será mais instável do que o desejável, ocasionando num lead time maior entre o começo do desenvolvimento duma funcionalidade nova até a real entrega dessa funcionalidade.