A importância de compreender a conversão de tipos
O C++ é uma linguagem dita strictly typed, termo geralmente traduzido como fortemente tipada, isto significa que o tipo das variáveis é sempre certo e as operações devem ser definidas para tipos específicos. Gerar um objeto de um tipo através de uma expressão de outro tipo envolve uma conversão, ou casting.
Vou explicar cada um dos tipos e adicionar exemplos ao fim da resposta:
Existem o static_cast
, dynamic_cast
, const_cast
e reinterpret_cast
, qual a diferença entre estes?
static_cast<novo_tipo>(expressão);
static_cast, conversão estática
Esta é a conversão mais comum. É dita estática pois sua validade é analisada durante a compilação, as principais possibilidades são:
- Conversão implícita entre os tipos (como
float
pra int
).
- Chamar um construtor do
novo_tipo
através do resultado da expressão
.
- Usar operador de conversão definido pelo usuário do resultado da
expressão
para o novo_tipo
.
- Converter ponteiros entre hierarquia de classes, desde que as classes não sejam virtuais. (
static_cast
não verifica a validade da conversão durante a execução.)
- Converter ponteiros
void*
para qualquer outro tipo de ponteiro. (resultado indefinido se o alinhamento do ponteiro não for correto.)
dynamic_cast<novo_tipo>(expressão);
dynamic_cast, conversão dinâmica
Esta conversão é especial para referências ou ponteiros de objetos polimórficos (classes contendo funções virtuais). É dita dinâmica pois verifica durante a execução do programa se a conversão é válida quando descendo na hierarquia das classes. Em principal:
- Ao converter ponteiros pra cima na hierarquia (
expressão
é derivada de novo_tipo
), comporta-se como uma conversão implícita.
- Ao converter ponteiros pra baixo na hierarquia, (
expressão
é base de novo_tipo
), verifica se expressão
originalmente referia-se a um ponteiro para novo_tipo
e, se sim, retorna o ponteiro ajustado. Caso a verificação falhe, retorna nullptr
.
- Conversão entre referências é semelhante, mas gera exceção
std::bad_cast
em caso de falha.
const_cast<novo_tipo>(expressão);
const_cast, conversão de constância
Esta conversão tem a única função de adicionar ou remover a propriedade const
. Qualquer conversão pode gerar uma referência ou ponteiro para um objeto para que este seja tratado como constante, mas apenas const_cast
pode gerar uma nova referência ou ponteiro de um objeto constante para que este seja tratado como modificável (não-constante). Esta conversão não gera nenhuma instrução, é apenas uma diretiva para o compilador.
reinterpret_cast<novo_tipo>(expressão);
reinterpret_cast, conversão por reinterpretação
Esta conversão é que mais se distancia da característica fortemente tipada da linguagem C++, pois comanda o compilador a reinterpretar o resultado da expressão
como se fosse do novo_tipo
, em geral sem realizar nenhuma operação nem verificação sobre os valores sendo convertidos. A grosso modo, reinterpret_cast
é forma de dizer ao compilador: "Confie em mim, esses números que estou lhe passando são o que digo ser" . Seus principais usos são:
- Converter ponteiro ou referência para qualquer tipo de objeto para ponteiro ou referência para qualquer outro tipo de objeto.
- Converter um ponteiro para um número inteiro.
- Converter um número inteiro para ponteiro.
Quando usar cada um?
Procure usar a conversão que melhor expressa suas intenções. Como apenas a definição de cada tipo de conversão pode não ser muito elucidativa, seguem exemplos de cada uma:
A static_cast
é a mais comum e geralmente ocorre implicitamente em uma conversão implícita, como no exemplo:
int i = 5;
float x = i; //conversão implícita
float y = static_cast<float>(i); //conversão explícita
As conversões implícitas facilitam lidar com variáveis numéricas e locais, mas é recomendado sempre explicitar a conversão quando exportando a variável para alguma função. No exemplo abaixo, o resultado com e sem o cast
é o mesmo (logo depois apontarei um possível problema):
int f(int x)
{
return x*2;
}
int main()
{
float x = 1.f;
std::cout << "Sem cast : " << f(x) << std::endl;
std::cout << "Com cast : " << f(static_cast<int>(x)) << std::endl;
}
Resultado:
Sem cast : 2
Com cast : 2
Agora, digamos que seja introduzida uma nova função, sem alterar as partes existentes do código anterior:
int f(double x)
{
return x*5;
}
O resultado do programa altera-se:
Sem cast : 5
Com cast : 2
O motivo disso é que a conversão implícita de float
para double
é preferida ao invés da conversão implícita de float
para int
.
Embora requerida em alguns casos (como convertendo ponteiros void*
para outros tipos) static_cast
tem uma função que pende mais para boa organização e manutenção do código.
dynamic_cast
é a forma de verificar em tempo de execução se o tipo de objeto polimórfico passado é de um determinado tipo (para isso o programa faz uso de RTTI, omitirei detalhes). Em um exemplo simplificado, imagine uma classe base com dois tipos de derivadas:
struct Base{
virtual ~Base(){};
};
struct DerivadaA : public Base
{};
struct DerivadaB : public Base
{};
Digamos então que temos uma função que deve lidar com objetos do tipo Base
,
void f(Base* ponteiro_base)
Mas em algum momento a execução deve ser diferente se o objeto passado for DerivadaA
ou DerivadaB
. Como dynamic_cast
retorna nullptr
em caso de falha, podemos fazer o seguinte:
void f(Base* ponteiro_base)
{
//tenta cast para ponteiro do tipo DerivadaA
DerivadaA * objA = dynamic_cast<DerivadaA*>(ponteiro_base);
if(objA != nullptr)
{
std::cout<<"Objeto do tipo A" << std::endl;
return;
}
//tenta cast para ponteiro do tipo DerivadaB
DerivadaB * objB = dynamic_cast<DerivadaB*>(ponteiro_base);
if(objB != nullptr)
{
std::cout<<"Objeto do tipo B" << std::endl;
return;
}
}
Clique aqui para ver o exemplo acima em ação.
Remover a propriedade const
de um objeto é necessidade rara, e modificar um objeto declarado const
resulta em comportamento indefinido do programa, então cabe ao programador usar de forma coesa essa conversão.
Um exemplo ilustrativo: Quando deseja-se retornar uma referência a um membro de uma classe (os famosos setters
e getters
):
class ClasseX
{
int X;
public:
//retorna referência a membro da classe
int& getRefX()
{
return X;
};
};
Como a função não altera o estado da classe, posso querer marcá-la const
:
int& getRefX() const
Mas daí o código não compila (a assinatura const
da função torna seus membros const
dentro desta)...
error: binding 'const int' to reference of type 'int&' discards qualifiers
const_cast
pode ser usado para retornar a referência não-constante:
//retorna referência a membro da classe
int& getRefX() const
{
//(algum comentário explicando o const_cast)
return const_cast<int&>(X);
};
const_cast
deve ser usado com muito cuidado, pois alterar o valor de uma variável originalmente constante torna o programa mal formado (undefined behaviour). No exemplo acima, se algum objeto da classe ClasseX
fosse originalmente constante, a função ainda funcionaria neste, mas o valor de X
não deveria ser modificado através da referência retornada.
O reinterpret_cast
afasta-se da noção de objetos e aproxima-se da noção de bits (informação).
Por exemplo, digamos que você esteja programando um microcontrolador e no manual deste diz que a placa de som lê as informações a partir do endereço 33
na memória:
//endereço obtido do manual do microchip
static const int ADDR_PLACA_DE_SOM = 33;
Para escrever informações nesta área da memória, você precisa converter esta posição para um ponteiro, com reinterpret_cast
você pode fazê-lo:
//cria ponteiro para inteiros na posição dita pelo manual
int* som_pt = reinterpret_cast<int*>(ADDR_PLACA_DE_SOM);
Note que a conversão é bem livre, você pode criar um ponteiro para qualquer tipo de dado:
//cria ponteiro para chars na posição dita pelo manual
char* som_pt = reinterpret_cast<char*>(ADDR_PLACA_DE_SOM);
C++ também suporta o cast no estilo da linguagem C, como ele é interpretado pelo compilador?
As conversões no estilo-C são do tipo:
(novo_tipo)(expressão)
Um exemplo:
//gera um inteiro através do float 3.14
(int)(3.14f)
Este tipo de conversão está presente no C++ principalmente por questões de compatibilidade com a linguagem C.
O compilador tenta a seguinte ordem de conversões quando um cast no estilo-C é utilizado:
const_cast
.
static_cast
, ignorando acesso restrito caso usado em hierarquias de classes.
static_cast
seguido de const_cast
reinterpret_cast
reinterpret_cast
seguido de const_cast
Ou seja, o compilador tenta quase tudo para gerar um objeto do novo tipo, inclusive removendo const
. Esse tipo de conversão pode gerar conversões indesejadas (até o não orientado a objetos reinterpret_cast
!) que escondem bugs propagáveis pela lógica do programa.
As principais referências foram:
cppreference (em inglês): static_cast, dynamic_cast, const_cast, reinterpret_cast, Explicit type conversion