Introdução
Ele é um princípio a ser seguido e não um padrão de projeto. Então aí já mostra que é difícil definir uma linha onde eles estão sendo usados corretamente ou não. A minha experiência indica que só a experiência qualificada (e não apenas quantificada) ajuda a desenvolver capacidade de definir essa linha.
A qualificação tem a ver com a quantidade e tipos de projetos que se desenvolveu, as pessoas que estavam participando, a dinâmica deles, a atitude individual da pessoa com relação ao aprendizado e evolução do seu conhecimento. E é claro que a capacidade de entendimento de problemas e de abstração é importante também. Não adianta decorar como usar ferramentas ou como codificar. Tem que ser capaz de interpretar problemas, que é algo mais difícil que interpretar textos e que é algo deficiente na maioria das pessoas. Não basta saber usar a ferramenta, tem que saber o que fazer com ela. E isso não é ensinado em livros.
Definição
O princípio indica que um componente da aplicação deve ser responsável por apenas uma tarefa. Ter só uma funcionalidade. Ele tem a ver com coesão.
Algumas pessoas consideram que isso está relacionado com OOP, mas é algo geral e que é aplicado há décadas. Havia um uso menor no passado porque sua aplicação atrapalhava um pouco a performance, o que era muito importante na época, hoje não pesa mais e muitas vezes é possível otimizar para nem ter a ínfima influência que esse princípio causa quando quebra tudo em partes menores.
Como usá-lo
A segredo é definir o que é funcionalidade única. Se você exagerar terá uma função executando uma instrução do seu código mais ou menos equivalente à uma instrução de processador, porque esta é a responsabilidade mais única. Se não aplicar o princípio pode ter uma "linguição" que faz várias coisas.
Bom, claro que o último caso só as pessoas que sabem nada sobre o assunto ou muito teimosas escrevem algo assim (já tivemos uma pergunta aqui com uma função de 35 mil linhas). É comum elas terem dificuldade em ver tudo o que poderia.
Isso pode ser facilmente percebido aqui no SOpt nos códigos que as pessoas postam. Em geral a pessoa não consegue estruturar o que é uma classe e quais devem ser os métodos e funções, e ainda pior, o que deve ter em cada um. Fica até difícil prover o melhor encapsulamento e outras técnicas que ajudam o bom design da aplicação.
Mas devemos pensar em nível arquitetural também, não só de código.
Quando a pessoa descobre o princípio e o acha sensacional ela se deslumbra e começa quebrar em muitas partes pequenas demais.
A necessidade de mudança futura determina muito o que deve ser quebrado. E, na maioria das situações, não é fácil definir isso antecipadamente. A não ser que o programador já tenha experiência prévia com um problema exatamente igual. Dominar o domínio (pun unintended ?!? :) ) é requisito para atingir o SRP em sua plenitude. O que é raro acontecer.
O princípio tem muito a ver com administração das mudanças. Se fosse possível fazer um software que nunca precisasse de mudança (nem durante o desenvolvimento inicial) não seria necessário o SRP. Mas isso virtualmente não existe (scripts simples são exceções). Estamos falando de manutibilidade. Uma mudança deveria ter que mudar apenas um componente da aplicação. Quanto mais granulamos o que é a mudança menor deve ser este componente.
Juntar coisas arbitrariamente ferem o SRP? Até fere, mas nem sempre causa problemas. Isso ocorre muito em classes cujos membros sejam todos estáticos. Claro que o ideal é não ter agrupamento tão arbitrário assim, mas é estúpido alguém achar que não pode ter todas as principais funções matemáticas juntas em uma classe chamada Math
. Acredite algumas pessoas acham isso porque elas decoram a regra e não olham o contexto e praticidade. Então concluímos que decidir a granularidade é subjetivo.
Outros princípios que ajudam
Ele tem a ver com DRY também. Se você quebra bem as partes fica mais fácil fazer DRY. Imagine como é difícil ter uma informação (uma estrutura de dados, um algoritmo) canônica quando ela carrega mais do que deve. Imagine o que aconteceria se tiver que mudá-la em algum lugar e aquilo causa um problema generalizado porque parte do que tinha junto com ela não casa mais com a mudança feita em uma parte. Sem adotar SRP o DRY fica prejudicado. E esse é o princípio mais importante para facilitar a manutenção (na minha opinião).
O quanto você precisa de flexibilidade? Vamos supor que você tenha um cálculo de imposto que existem vários passos para executar. Cada passo precisa estar em um método diferente? Em uma classe diferente? Depende do problema. Se aplicar o princípio cegamente, incorre no problema descrito no YAGNI. Precisa ver se há necessidade real de que cada passo seja mudado independentemente.
Mas nem sempre esse é um bom critério. MVC é algo que reduz a responsabilidade e aumenta o esforço para dar manutenção (a maioria das mudanças em um modelo deve obrigar pelo menos uma mudança na visão). Aí para evitar esse problema tem que pensar em outras formas de desenvolvimento não tão óbvias para a maioria das pessoas. Outras até sabem como resolver porque aprenderam alguma receita de bolo.
Fragmentação pode atrapalhar, não só em ter que mudar em mais de um lugar, mas também ter coisas espalhadas demais. Claro que existem técnicas onde você pode fragmentar para ter tudo granular quando precisa e adicionalmente pode criar "combos" prontos para ter as coisas mais prontas mais à mão quando isso se faz necessário.
Obviamente que componentes que juntam coisas para facilitar o uso comum podem violar o SRP. E se não é necessária é ruim.
Estudar outros princípios como os citados aqui ajuda. Outro que ajuda é o SOLID (sim o SRP está dentro dele, mas os outros pontos ajudam organizar desta forma). Só deve usar sem exageros.
Nunca se esqueça do YAGNI e do KISS. Estude code smells, anti-patterns.
Técnicas que ajudam
Dar bons nomes para o que está fazendo ajuda muito a adotar o SRP corretamente. A maioria das pessoas têm dificuldade com isto. Se o nome for correto, ele indica o que deve fazer. Mas muitas vezes só conseguimos dar bons nomes quando sabemos bem o que aquilo faz, o que torna um paradoxo :)
Existem apenas duas coisas difíceis em computação: invalidação de cache e nomear coisas.
-- Phil Karlton
Se está difícil dar um nome é porque deve fazer mais do que uma coisa. Repense!
Olhar para o tamanho das coisas ajuda nada. Isso é um equívoco comum. O que tem que ser grande pode ser grande desde que exista um motivo para ser assim. Olha os widgets de uma GUI, são monstruosos.
Coleta de requisitos adequadamente é outra tarefa que as pessoas não dominam bem. E ela é fundamental. Se você não sabe fazer as perguntas certas, interpretar as respostas, preencher as lacunas de informação que não consegue obter através de leigos da computação e juntar tudo de forma organizada não consegue arquitetar a aplicação, não consegue definir bons nomes, não consegue fazer o SRP no nível correto.
Por isso vou repetir que aprender codificar é a ponta do iceberg. Desenvolver software é resolver problemas, não é codificar. Por isso essa atividade é considerada por muitos como engenharia ou arquitetura. É um pouco ciência, um pouco arte. Ou como alguns gostam, é como jardinagem ou gastronomia. Nem conseguimos definir bem o que é :)
Exemplo da pergunta
As respostas para o exemplo citado na pergunta só podem ser dadas com uma profunda análise do caso concreto, com todos os requisitos bem coletados. Isso só o AP tem. Obviamente pedir code review em casos concretos pode ajudar ganhar experiência.
Perguntas que podem ajudar:
- A quebra vai tornar o código mais reusável em diversas circunstâncias sem causar efeitos colaterais?
- Será mais fácil de ler o código e entender o que ele faz?
- O código poderá ser estendido facilmente?
- Ele está sendo representado de forma canônica?
- Pode ser testado independentemente?
- As informações ali contidas estão diretamente relacionadas?
- Algumas estão relacionadas demais e juntas fazem parte de outra entidade?
- Será intuitivo usar desta forma dentro dos requisitos? Como será usado?
- Será usado em quantos lugares? Isso pode ser garantido?
Exemplos
O padrão MVC é um exemplo de caminho indutivo de SRP. Ele tenta fazer com que fique claro o modelo de dados que vai se usar (M), a maneira de apresentar estes dados (V) e como operacionalizar isso (C). Antes era comum ter um único componente que fazia tudo isso e era difícil mudar uma das partes.
Mas para demonstrar como pode ser polêmico o que é SRP ou não, o MVC parecia que quebrava as partes muito bem nesse nível arquitetural. Mas algumas pessoas discordaram e criaram não só outros modelos semelhantes mas também modelos que quebravam em mais partes, por exemplo o MVVM.
É certo que apresentação e modelo não deveriam estar juntos, mas a maioria das aplicações que vemos por aí são assim, e muitas vezes acaba funcionando.
O exemplo mais óbvio de abuso seria criar uma função onde soma dois números, existe algo pronto que faz isto.
Mas não quer dizer que nunca deva fazer assim. Por exemplo: se a função não declarar que é uma soma e isto é apenas um detalhe de implementação, então ok. Pode ser que um dia não seja uma soma simples mais, ou os tipos podem mudar, ou seja, os detalhes mudam apesar da API permanecer a mesma.
Outro exemplo onde se usa algo muito simples seria um método que apenas pega um campo da classe. Muitas vezes o nome do método é mais longo que chamar o próprio campo. Parece um exagero, certo? Depende. Se o método cria uma melhor abstração pode ser interessante. Ou seja, você sabe que pra frente será outro campo a retornar ou que o campo precisará ser manipulado antes de retornar. Quebrar coisas muito simples provê melhor abstração e melhor documentação do que é aquilo. Dar nomes para certas ações ajuda muito a legibilidade de código.
Regras de negócio devem estar juntas com a persistência do dado? São duas coisas diferentes. Parece óbvio que devem, certo? É, mas muitas pessoas não fazem isso e se dão muito bem. Diminui a complexidade. É claro que não se aplica a todos os casos. Aí começamos questionar se todas as regras devem estar juntas. Ou será que só as que relacionam duas ou mais partes da entidade? Ou será que elas devem estar agrupadas por algum critério? Difícil dizer.
Note que o fato de uma classe fazer ambos não é ruim por si só. Talvez seja ruim que a implementação de tudo esteja dentro dessa classe. Saber o que é abstrato e o que é concreto ajuda definir a responsabilidade. Muitas vezes esquecemos disso. Uma interface tem uma responsabilidade abstrata. E quase sempre as pessoas acertam :) Então parece que o concreto é mais complicado definir.
Separar mecanismo e regras de negócio é importante, mas até quanto? Que preço vai pagar por isso? Quais partes separar? Onde acoplá-las?
Conclusão
O fato é que em qualquer design existirão pessoas que dirão que deve ser feito de um jeito e outras que deve ser feito de outro. No fundo é algo "quase arbitrário". Com algum critério, claro, mas não deixa de ser algo que cada um terá seu jeito de fazer. E explicações em casos específicos e concretos podem convencer alguém se está certo ou não.
Referências
Wikipedia. Não gosto muito do artigo, ele é limitante e segue uma fonte, marketeira.
Termo que também deve ser estudado junto.
Estudo sobre o assunto.
Visão alternativa para a definição do Uncle Bob que realmente é um pouco tosca.
Coloquei no GitHub para referência futura.