Um pouco de história
A questão sobre o uso de null
é discutido por desenvolvedores de diversas plataformas. Já ouvi muito isso em Java também.
Certa ocasião, conversando com um colega após um NullPointerException
ter estourado em produção, ele estava argumentando que null
não deveria existir, que alguém, não sei onde, estava tentando remover o null
do Java, etc. Para linguagens orientadas a objetos, algumas pessoas sugerem o uso de um design pattern (padrão de projeto) chamado Null Object (Objeto Nulo).
Além disso, já peguei alguns problemas em várias procedures e queries decorrentes do não tratamento de campos null
, principalmente com valores nulos em expressões booleanas, resultando em comportamentos imprevistos (veja a "tabela" que o @mgibsonbr postou em sua resposta).
Um histórico interessante sobre a controvérsia do null
encontra-se na Wikipedia[em Inglês].
Um caso onde o não uso de null
gera problemas
Imagine uma tabela de pacientes de um sistema para consultórios médicos, cujo campo idade
é unsigned integer not null
. Analisemos o seguinte código em PHP:
$idade = empty($campo_idade) ? 0 : intval($campo_idade);
if (!$idade) throw new Exception('A idade deve ser preenchida.');
insere_cliente(..., $idade, ...);
O código acima tenta verificar se o campo idade tem um valor que é considerado verdadeiro (true
) para o PHP antes de inserir no banco de dados. Isso funciona? Sim, desde que o consultório não atenda bebês com menos de 1 ano de idade.
Agora vamos supor que vendemos o sistema para uma clínica de pediatria. O que faremos agora que o valor 0
(zero) deve ser válido? Apenas removemos a validação (if
), já que o banco de dados está "protegido" contra valores nulos e negativos.
Então começamos a receber várias reclamações de que determinados pacientes estão aparecendo com idade zero. Identificamos que as secretárias frequentemente esquecem de preencher a idade e o cadastro é incluído com idade zero por padrão. Isso é fácil de resolver, basta impedir que o cadastro seja feito se o campo estiver vazio, não é?
Mas vamos supor ainda que algumas das clínicas clientes possuem pronto-socorro e algumas vezes é necessário fazer o cadastro de um paciente sem saber sua idade exata. Os gerentes das clínicas precisam saber quais cadastros não possuem a idade preenchida para colher essa informação posteriormente. E agora? Agora falta um valor para dizermos que não há valor e sabemos que zero não é uma opção.
O que null
significa para você?
Um valor nulo faz muito sentido quando faz parte da regra de negócio tratar um valor não informado ou não existente.
A verdade é que usar outros valores, como números negativos ou constantes textuais, para representar valores não existentes é uma mistura de conceitos e gera vários problemas. Será que, na falta de sal, alguém deveria colocar açúcar no saleiro para evitar a decepção de um convidado ao encontrar o recipiente vazio?
O padrão de projeto Null Object, por exemplo, pode evitar uma exceção em linguagens OO, mas se o valor não for devidamente tratado, poderá gerar comportamentos muito estranhos. Imagine um usuário fazendo uma consulta e a tela abrindo com todos os campos vazios porque o registro consultado não foi encontrado e um null object foi retornado e "apresentado" na interface do sistema.
Alguns tratamentos para null
em SQL
Cada linguagem de programação tem seus métodos para tratamento de nulos, mas não vou entrar nessa questão aqui.
Os SGBDRs podem apresentar comportamentos diferentes quanto ao valor null
, mas em minha experiência, basta seguir algumas boas práticas de desenvolvimento podem evitar esses problemas. Uma delas é não usar apenas o operador =
, mas também o IS NULL
ou IS NOT NULL
ao pesquisar colunas que podem ser nulas, por exemplo:
select * from tabela where (nome is null or nome = '')
Outro exemplo, segundo o caso delineado no tópico anterior, que retorna pacientes sem idade preenchida:
select * from paciente where idade is null
A mesma lógica vale para qualquer tipo de campo ou variável. Exemplo em Transact-SQL:
create procedure atualiza_paciente_sem_idade(
@id int,
@nova_idade int
)
as
declare @idade_atual int
set @idade_atual = (select idade from paciente where id = @id)
if @idade_atual is null
begin
update paciente set idade = @nova_idade where id = @id
insert into log (...)
end
Além disso, é importante usar a rotina adequada para tratar campos nulos antes de tentar manipular os dados. Exemplo no SQL Server:
select upper(isnull(campo_possivelmente_nulo, '')) from tabela
Infelizmente, cada sistema de banco de dados parece ter implementado uma solução própria para retornar um valor default no caso de um null
. Oracle usa NVL
, Microsoft SQL Server e Access usam ISNULL
, MySQL usa IFNULL
e PostgreSQL não tem uma função equivalente. Veja alguns exemplos neste link.
Porém, uma alternativa que parece funcionar em todos os SGBDRs citados é o COALESCE
. Esta função retorna o primeiro valor não nulo de uma lista de valores. Por exemplo:
select coalesce(campo_possivelmente_nulo1, 'valor inexistente') from tabela
O efeito do comando acima é o mesmo do anterior.
Uma outra abordagem é criar uma função personalizada para tratar isso. Por exemplo, criar uma função ISNULL
no Oracle com a mesma implementação do NVL
já existente. Entretanto, como existem diversas outras divergências entre as implementações SQL, creio não valer a penas essa abordagem. Para sistemas com suporte a vários tipos de bancos de dados, dou preferência para abstração provida por um framework ORM (Mapeamento Objeto-Relacional).
Outra situação a ter nossa atenção é quando joins são necessários. Mas não é nada muito complicado. Basta conhecer diferença e saber quando usar INNER JOIN
e OUTER JOIN
. Saber sobre LEFT JOIN
e RIGHT JOIN
também ajuda.
É muito comum perguntas na internet como: "minha consulta não lista uma clínica quando não há pacientes cadastrados, o que pode ser?"
Isso ocorre porque foi usado INNER JOIN
no lugar de OUTER JOIN
.
Vejamos um exemplo:
select clinica.id, avg(paciente.idade) as average
from clinica
join paciente on paciente.id_clinica = clinica.id
group by clinica.id
A consulta acima pretende calcular a média de idade dos pacientes de uma clínica. O problema é que somente serão listadas clínicas que possuem pelo menos um paciente.
Vamos mudar um pouco essa query:
select clinica.id, avg(paciente.idade) as average
from clinica
left outer join paciente on paciente.id_clinica = clinica.id
group by clinica.id
Agora, com o LEFT OUTER JOIN
, clínica sem pacientes retornarão uma média nula. Note que nesse caso não queremos que a média seja 0
(zero) quando não há pacientes, pois se a clínica atendesse apenas a recém-nascidos a média seria efetivamente zero anos de idade!
Se alguém quiser testar essas queries, pode usar este SQL Fiddle.
Considerações
A questão principal é que, do ponto de vista do usuário, um erro ou comportamento estranho causado por null
é tão ruim quando um erro, comportamento estranho ou limitação devido ao não uso de null
.
Um engodo muito grande que está por detrás de alguns argumentos contra o null
é: se não houvessem null
s ocorreriam menos erros de execução. Na verdade, erros ocorrem porque desenvolvedores em geral não criam código efetivamente "seguro", isto é, tratando os valores de entrada adequadamente. Então alguns querem contornar o problema da qualidade do código removendo valores que fazem o código falhar.
Validar qualquer input, incluindo entrada do usuário e leituras de arquivos e banco de dados, é (e sempre será) boa prática de programação. O programador "preguiçoso" é que pensa: "minha rotina só lançou uma exceção não esperada porque fulano enviou o valor XPTO
".
Enfim, campos nulos, que poderia chamar de opcionais, são uma necessidade em vários tipos de situação. O esforço de limitar seu uso não melhora efetivamente a qualidade dos sistemas. Se os desenvolvedores não criarem uma lógica adequada para as rotinas do sistemas, de nada adianta usar nulos ou valores para simular campos vazios.
E se, por uma mudança nas regras de negócio, um campo passar a ser nullable? Bugs vão surgir por toda parte?
COALESCE()
e o operador "IS NULL"... É um estado, com significado de "valor não informado" ou "não existente", e não um valor. O NULL é largamente utilizado, não faz sentido questionar a sua utilidade. Existe é uma pequena briga de conceitos e formas de modelagem que pode substituir o uso do NULL ISO. Acho que a pergunta/respostas está enfatizando uma dicotomia ("NULL é do bem ou é do mal?") que não existe, e desvia a discussão objetiva sobre os conceitos de modelagem.