Currying e partial application
É extremamente comum encontrar por aí definições e exemplos de currying que na verdade se referem a partial function application, ou aplicação parcial de funções. Para quem, como eu, se interessa por programação funcional sem dominar de fato nenhuma linguagem puramente funcional, geralmente os dois conceitos ficam ainda mais confusos. Vou tentar explicar a diferença enquanto aproveito para consolidar meu próprio entendimento do assunto. Todos os meus exemplos usam JavaScript, mas imagino que sejam compreensíveis para quem usa C, Java, C#, entre outras linguagens.
Partial application
Em linguagens funcionais, funções não são "invocadas", e sim "aplicadas" a seus argumentos. Funções também são conhecidas como "cidadãos de primeira classe" da linguagem, ou seja, podem ser atribuidas a variáveis, e interagem com outras funções podendo ser passadas como parâmetros ou retornadas.
Uma função é "parcialmente aplicada" quando é aplicada a somente uma parte dos parâmetros que espera, e retorna outra função que espera os parâmetros restantes. Então aplicação parcial é uma maneira de pegar uma função e fixar (ou, como disse o Zuul, "cravar") certos parâmetros.
Por exemplo, a seguinte função em JavaScript espera três parâmetros:
function soma(a, b, c) {
return a + b + c;
}
// Duas maneiras diferentes de invocar:
soma(1, 2, 3); // 6
soma.apply(null, [1, 2, 3]); // 6
Vamos criar uma função que aplica soma
parcialmente, ou seja, fixa o primeiro parâmetro e retorna uma função que espera os outros dois:
function somap(a) {
return function(b, c) {
return soma(a, b, c)
}
}
// Uso:
var somadois = somap(2);
somadois(3, 4); // 9
Essa operação pode ser generalizada para qualquer função:
function partial(fn) {
// Guarda argumentos após fn numa array
var args = Array.prototype.slice.call(arguments, 1);
return function() {
return fn.apply(null, args.concat(Array.prototype.slice.call(arguments, 0)));
};
}
var somadois = partial(soma, 2);
somadois(3, 4); // 9
Na verdade, o JavaScript já suporta isso nativamente com método bind
que as funções possuem:
var somadois = soma.bind(null, 2);
Currying
A definição de currying da resposta do Zuul é precisa e sucinta (grifo meu):
Currying é o nome dado à técnica de dividimos uma função que recebe vários argumentos numa série de funções cada uma lidando com um argumento da função inicial.
Repare que nosso exemplo acima não atende a essa definição, pois partial(soma, 2)
retorna uma função que lida com dois argumentos de soma
, e não um. Se a nossa função fizesse currying, teríamos de chamá-la assim para obter o resultado final:
var somadois = curry(soma, 2);
somadois(3)(4); // 9
A utilidade prática disso em JavaScript (entre outras linguagens) é discutível. Há exemplos de usos justificados, porém na maioria dos casos não existe muita vantagem. Implementações de funções de currying são possíveis em JavaScript, mas não sem algumas limitações.
O currying é muito útil em linguagens que em que as funções são sempre unárias, ou seja, aceitam um único argumento. Nelas, o currying é justamente uma maneira de se implementar funções que aceitam mais de um argumento. E certas linguagens implementam funções com múltiplos parâmetros usando currying internamente. Desse link, os seguintes exemplos em OCaml são equivalentes:
let foo = fun a b ->
a * a + b * b
e
let foo = fun a ->
fun b ->
a * a + b * b
Em OCaml, a primeira maneira de definir a função é apenas açúcar sintático para a segunda. Ambas produzem objetos função idênticos. E em ambos os casos a chamada é igual, por exemplo foo 1 2
– que seria foo(1)(2)
em JavaScript.
Encontrei no Programmers um ponto de vista interessante sobre isso (em tradução livre):
Para mim o currying é importante enquanto constructo teórico que permite considerar todas as funções como unárias, já que qualquer outra função pode ser reduzida a uma função dessas.