Singletons são mentirosos compulsivos
Bom, você acaba de de se juntar a um novo projeto, que já possui um código-base maduro e bem extenso. Seu novo chefe lhe pede para implementar uma nova funcionalidade e, como um bom desenvolvedor, você começa escrevendo um teste. Mas como você é novo no projeto, faz um monte de testes exploratórios do tipo “o que acontece se eu executar este método?”. Você começa escrevendo o seguinte código:
public function testCreditCardCharge() {
$cc = new CreditCard( '1234 5678 9012 3456', 5, 2013 );
$cc -> charge( 100 );
}
Este código:
- Só funciona quando você o roda como parte do sistema todo, nunca em isolamento
- Quando tentamos rodar em isolamento, uma exceção é lançada
- Quando você recebe sua fatura do cartão, você percebe que teve que pagar R$ 100,00 para cada execução do teste (TENSO!)
Agora eu quero focar no último item. Como que um simples teste causou uma cobrança real no meu cartão de crédito? Carregar um cartão de crédito não é fácil. O teste precisa falar com um web-service do cartão de crédito (de terceiros), precisa saber a URL para o web-service, precisa se autenticar, passar as credenciais e identificar em qual estabelecimento comercial eu estou comprando...
Nenhuma dessas informações estava presente no teste. Pior ainda, como eu nem sei onde esta informação se encontra, como eu “enganaria” as dependências externas (através de um Mock Object) para que eu não perca R$ 100,00 toda vez que o teste for executado? Como você é novo no projeto, como você poderia saber que o que o teste executado te deixaria R$ 100,00 mais pobre? Isso parece ser história de fantasma.
Mas por que eu vejo uma exceção ocorrendo quando rodo o programa em isolamento, mas tudo funciona quando testo a classe em conjunto com o sistema? E como eu conserto isso? Cansado de procurar pelas milhares de linhas de código, você decide ir perguntar aos desenvolvedores que estão há mais tempo no projeto. Depois de muito cavar, você aprende que precisa inicializar o CreditCardProcessor.
public function testCreditCardCharge() {
CreditCardProcessor::init();
$cc = new CreditCard( '1234 5678 9012 3456', 5, 2013 );
$cc -> charge( 100 );
}
Você roda o teste de novo, ainda sem sucesso e você ainda se depara com um outro tipo de exceção. Novamente, você vai consultar seus colegas. Alguém lhe diz que CreditCardProcessor precisa de uma OfflineQueue para funcionar.
public function testCreditCardCharge() {
OfflineQueue::init();
CreditCardProcessor::init();
$cc = new CreditCard( '1234 5678 9012 3456', 5, 2013 );
$cc -> charge( 100 );
}
Animado, você roda o teste de novo. Mais uma outra exceção diferente. Mais um pouco de “escavação” e você descobre que também precisa inicializar a conexão com o banco de dados.
public function testCreditCardCharge() {
Database::init();
OfflineQueue::init();
CreditCardProcessor::init();
$cc = new CreditCard( '1234 5678 9012 3456', 5, 2013 );
$cc -> charge( 100 );
}
Finalmente o teste é executado no modo de isolamento, mas novamente, você acabou de perder mais R$ 100,00.
O problema é que as APIs existentes são mentirosas compulsivas. CreditCard finge que você pode somente instanciá-lo e chamar o método CreditCard::charge(), mas, secretamente, ela colabora com CreditCardProcessor.
A API de CreditCardProcessor diz que ela pode ser inicializada em isolamento, mas, na verdade, ela precisa de OfflineQueue, que, por sua vez, precisa de Database.
Para os desenvolvedores que escreveram o código, é óbvio que CreditCard precisa de CreditCardProcessor, afinal, eles que escreveram o código. Mas para qualquer um novo no projeto, isso é um mistério total e dificulta a curva de aprendizado.
Mas ainda não acabou! Suponha que um colega que entrou junto com você no projeto resolve dar uma olhada na sua implementação. Pelo que ele pode dizer, as três inicializações e a instanciação são independentes, ou seja, podem acontecer em qualquer ondem. Durante alguma refatoração ou limpeza de código, talvez ele rearrange as linhas de código dessa maneira:
public function testCreditCardCharge() {
CreditCardProcessor::init();
OfflineQueue::init();
$cc = new CreditCard( '1234 5678 9012 3456', 5, 2013 );
$cc -> charge( 100 );
Database::init();
}
O código simplesmente parou de funcionar, mas meu colega não teria como saber, ou teria?
Neste exemplo simples, até que não é difícil enxergar isso, mas num projeto real, a inicialização normalmente pode ocorre por várias classes e você deve inicializar centenas de objetos. A ordem exata de inicialização se tornará um mistério.
Como corrigimos isso? Com APIs que declaram dependência!
public function testCreditCardCharge() {
$db = new Database;
$queue = new OfflineQueue( $db );
$processor = new CreditCardProcessor( $queue );
$cc = new CreditCard( "1234 5678 9012 3456", 5, 2008 );
$cc -> charge( $processor, 100 );
}
Uma vez que o método de CreditCard declara que ele precisa de um CreditCardProcessor que não preciso perguntar a ninguém sobre isso. O código simplesmente não vai executar sem ele.
Eu tenho uma dica bem clara de que eu preciso instanciar CreditCardProcessor. Quando eu tento instanciar CreditCardProcessor eu me deparo com necessidade de fornecer uma OfflineQueue.
Em continuidade, quando eu tentar instanciar a OfflineQueue, eu vou precisar de um Database para trabalhar.
A ordem de instanciamento é clara! Não só é clara como é impossível de inverter a odem das declarações senão o código não executa.
Eo melhor dos benefícios, claro, é que a cada vez que você rodar o teste não terá $100 cobrados no seu cartão.
Singletons nada mais são do que estados globais. Estado global permite que seus objetos mantenham secretamente coisas que não foram declaradas nas suas APIs e, como resultado, Singletons fazem de suas APIs mentirosos patológicos.
Pense de outra forma. Você pode viver numa sociedade onde todo mundo (todas as classes) declaram quem são seus amigos (colaboradores). Se eu sei que o José conhece a Maria mas que nem a Maria e nem o José conhecem o João, então é seguro eu assumir que se eu disser algo pro José ele até pode comentar com a Maria, mas sob nenhuma circunstância o João ficará sabendo nada.
Agora imagine que todo mundo (todas as classes) declaram alguns de seus amigos (colaboradores), mas outros amigos (colaboradores que são Singletons) são mantidos em sigilo. Agora você fica se perguntando como que o João ficou sabendo daquela informação que você deu ao José.
E aqui a parte interessante. Se você é a pessoa quem originalmente construiu os relacionamentos (código), você sabe as verdadeiras dependências, mas quaisquer outros que venham depois de você ficam perplexos uma vez que os amigos os quais você declarou não são os únicos amigos dos objetos, e as informações fluem por caminhos secretos que não são claros pra você. Você vive numa sociedade de mentirosos.
Artigo Original: Singleton are Pathological Liars
Tradução Parcial: Henrique Barcelos