O que é normalização?
A normalização do banco de dados é o processo de transformações na estrutura de um banco de dados que visa a eliminar redundâncias e a eliminar anomalias de inserção, atualização e exclusão.
Ao efetuar o processo de normalização, os dados cadastrados no banco de dados ficarão organizados de uma forma melhor e na maioria das vezes (mas nem sempre) também ocuparão menos espaço físico. Entretanto, o processo de normalização também sempre (sem exceções) faz aumentar o número de tabelas e em muitos casos pode ser algo difícil de se realizar. Além disso, bancos de dados normalizados além do necessário podem ter desempenho ruim e/ou complexidade excessiva, precisando então de alguma desnormalização.
Anomalias
A principal finalidade do processo de normalização é eliminar as anomalias de inserção, atualização e exclusão. A anomalia ocorre quando não há forma de se cadastrar alguma determinada informação sem que alguma outra informação também seja diretamente cadastrada. Por exemplo, imagine que você tenha uma tabela funcionário
com os campos codigo
, nome
e projeto
, onde a coluna projeto
corresponda ao nome do projeto no qual um funcionário foi alocado. E então você tem os seguintes dados na tabela:
codigo |
nome |
projeto |
1 |
Pedro |
Vendas |
2 |
Maria |
Vendas |
3 |
Carlos |
Cadastro de clientes |
E então surgiu um projeto novo: O de emissão de notas fiscais mas ainda não decidiram quem vai ser colocado nele. Como você cadastra esse novo projeto? A resposta é que não dá para cadastrar, pois para fazer isso você teria que ter algum funcionário nesse projeto - ou seja, temos uma anomalia de inserção.
Se no exemplo anterior, o funcionário Carlos fosse desligado da empresa e o removermos da tabela, a informação sobre o projeto de cadastro de clientes é perdida. Isso é um efeito colateral indesejado - é a anomalia de exclusão. Se no entanto ele apenas fosse remanejado para o novo projeto de notas fiscais, nós também perderíamos a informação acerca da existência do projeto de cadastro de clientes - essa é a anomalia de alteração.
O problema que origina essas anomalias é o fato de a informação do projeto estar toda dentro da tabela de funcionários, que não é o lugar dela. Se tivermos duas tabelas relacionadas (1-para-N) - funcionários e projetos - as anomalias desaparecem.
Anomalias também têm relação com o conceito de integridade referencial.
Primeira forma normal (1FN)
A primeira regra para eliminar as anomalias é:
Não devem existir colunas multivaloradas.
O que é uma coluna multivalorada? É uma coluna onde é possível armazenar-se mais de um valor por registro. Por exemplo, imagine que você tenha a sua tabela de clientes assim:
codigo |
nome |
telefones |
1 |
Paulo |
99567-4289, 3605-4900 |
2 |
Maria |
97223-0444 |
3 |
Alan |
- |
4 |
Juliana |
2853-0266, 96610-5480, 2410-9941 |
Observe que a coluna de telefones é multivalorada.
Já se a tabela fosse da forma abaixo, ainda assim é essencialmente a mesma coisa e o conceito de telefone continua sendo multivalorado, só que espalhado em várias colunas:
codigo |
nome |
telefone1 |
telefone2 |
telefone3 |
1 |
Paulo |
99567-4289 |
3605-4900 |
- |
2 |
Maria |
97223-0444 |
- |
- |
3 |
Alan |
- |
- |
- |
4 |
Juliana |
2853-0266 |
96610-5480 |
2410-9941 |
Inserir, atualizar e excluir telefones nesse esquema é algo complicado de se fazer. Pesquisar por algum número de telefone específico também é algo complicado.
A solução para isso é dividir em duas tabelas:
Cliente:
codigo |
nome |
1 |
Paulo |
2 |
Maria |
3 |
Alan |
4 |
Juliana |
Telefone:
codigo |
codigo_cliente |
numero |
1 |
1 |
99567-4289 |
2 |
1 |
3605-4900 |
3 |
2 |
97223-0444 |
4 |
4 |
2853-0266 |
5 |
4 |
96610-5480 |
6 |
4 |
2410-9941 |
Ao eliminar-se todas as colunas multivaloradas, o banco de dados atinge uma forma estrutural denominada de primeira forma normal - 1FN (first normal form - 1NF). Note que em português é FN, mas em inglês é NF.
Chaves candidatas, superchaves e dependências funcionais
Antes de prosseguir com as demais formas normais, faz-se necessário introduzir-se os conceitos de chaves candidatas, superchaves e dependências funcionais.
A chave primária (primary key, ou apenas PK) é aquele conjunto de colunas que serve para identificar a tupla de uma forma única (pode ser só uma coluna, ou podem ser duas ou mais). É importante que o projetista do banco de dados saiba identificar quais são as colunas mais apropriadas para serem eleitas como parte da chave primária. Muitas vezes, uma coluna com um código numérico sequencial pode servir para ser a chave primária, mas há várias situações onde esse não é o caso.
Às vezes, há mais do que um conjunto de colunas que poderia ser a chave primária. Cada um desses conjuntos é chamado de chave candidata. Por exemplo, em uma tabela Pessoa
que tenha os campos CPF
, RG
, Estado
, Nome
e Data_nasc
, tanto o CPF
quanto o RG
+Estado
são chaves candidatas.
Assim, é possível chegar-se ao Nome
a partir do CPF
, mas também é possível chegar-se ao Nome
a partir do RG
e do Estado
. Da mesma forma, é possível chegar-se ao valor da Data_nasc
de uma pessoa a partir do seu CPF
ou a partir do RG
+Estado
.
Por outro lado, não é possível chegar-se ao Nome
de uma pessoa a partir apenas da Data_nasc
, pois essa coluna sozinha é insuficiente para identificar de forma única um registro da tabela, ou seja, a coluna Data_nasc
isoladamente não é uma chave.
E isso é uma dependência funcional, quando uma coluna num registro pode ser acessada a partir de outras colunas nesse mesmo registro. Ou seja, uma vez que chegamos no Nome
a partir do CPF
, então existe uma dependência funcional CPF
→Nome
. Também existem as dependências funcionais RG
+Estado
→Nome
, CPF
→Data_nasc
, RG
+Estado
→Data_nasc
e até mesmo CPF
→RG
, CPF
→Estado
e RG
+Estado
→CPF
. Mas não existe a dependência funcional Data_nasc
→Nome
, pois um valor da coluna Data_nasc
referente a uma pessoa é insuficiente para determinarmos de forma única qual é o nome dessa pessoa.
Qualquer conjunto de colunas que tenha uma chave candidata como subconjunto é denominado de superchave. Ou seja, RG
+Estado
+Nome
é um exemplo de uma superchave, embora não seja uma chave candidata, vez que a chave candidata neste caso é apenas RG
+Estado
.
Segunda forma normal (2FN)
A 2FN é aquela que diz que:
Todas as colunas devem ter dependência funcional com a totalidade de cada chave candidata.
Na maioria dos casos por "cada chave candidata", entenda-se por "com a chave primária", exceto se houver mais do que uma chave candidata.
Além disso, para que uma tabela esteja na 2FN, ela deve estar antes de tudo na 1FN.
Uma coluna está em dependência funcional com a chave primária quando ela é determinada no domínio da aplicação por meio da chave primária. Uma coluna não tem dependência funcional com a chave primária quando ela é definida de forma independente da chave primária ou quando ela é definida a partir de alguma outra coluna que não seja a chave primária.
Uma dependência funcional pode ser dita estar na totalidade da chave primária quando todas as colunas da chave primária são necessários para estabelecer-se a relação de dependência. No caso de a chave primária ser composta, é possível se ter uma dependência parcial.
Para dar um exemplo da 2FN, imagine que a sua empresa tenha representantes comerciais atuando em clientes e queira representar a relação de quais representantes comerciais atuam em quais clientes. Nessa tabela (vamos chamar de representação
), temos as colunas nome_cli
para o nome do cliente e nome_repr
para o nome do representante como chaves primárias e temos também as colunas end_repr
para o endereço do representante, end_cli
para o endereço do cliente e valor_contrato
. Ou seja:
Representação:
nome_cli (PK) |
nome_repr (PK) |
end_repr |
end_cli |
valor_contrato |
Luís |
Cleyton |
Rua A 888 |
Rua X 123 |
R$ 500,00 |
Paula |
Lara |
Rua B 999 |
Rua Y 345 |
R$ 900,00 |
Paula |
Cleyton |
Rua A 888 |
Rua Y 345 |
R$ 650,00 |
Observe que as colunas end_repr
e end_cli
dependem da chave primária. Mas elas não dependem de toda a chave primária, cada uma depende apenas de uma parte dela. A solução neste caso é ter uma tabela de clientes (com o endereço do cliente), uma tabela de representantes comerciais (com o endereço dele também) e deixar na tabela de atuação as respectivas chaves estrangeiras com o valor do contrato. Ou seja:
Clientes:
nome_cli (PK) |
end_cli |
Luís |
Rua X 123 |
Paula |
Rua Y 345 |
Representantes:
nome_repr (PK) |
end_repr |
Cleyton |
Rua A 888 |
Lara |
Rua B 999 |
Representação:
nome_cli (PK) |
nome_repr (PK) |
valor_contrato |
Luís |
Cleyton |
R$ 500,00 |
Paula |
Lara |
R$ 900,00 |
Paula |
Cleyton |
R$ 650,00 |
Terceira forma normal (3FN)
A 3FN é aquela que diz que:
Todas as colunas devem ter dependência funcional com a totalidade de cada chave candidata e nada mais além do que essas chaves candidatas.
Novamente, na maioria dos casos por "cada chave candidata", entenda-se por "com a chave primária", exceto se houver mais do que uma chave candidata. Se a única chave candidata existente for a chave primária, isso ficaria assim:
Todas as colunas devem ter dependência funcional com a totalidade da chave primária e nada mais além da chave primária.
Além disso, para uma tabela estar na 3FN, ela deve estar primeiramente na 2FN (e também na 1FN). A parte de depender da totalidade de cada chave candidata é abordada na segunda forma normal, então o foco aqui é depender de nada mais que essas chaves.
Por exemplo, imagine a tabela de carros com as colunas placa
(chave primária), cor
, nome_proprietário
, endereço_proprietário
:
placa (PK) |
cor |
nome_proprietário |
endereço_proprietário |
ABX-1234 |
azul |
José |
Rua X, 123 |
NNU-5566 |
verde |
Marcos |
Rua exemplo, 5678 |
SGH-7210 |
preto |
Maria |
Avenida teste, 7743 |
ERT-6902 |
vermelho |
José |
Rua X, 123 |
BGH-5431 |
preto |
José |
Rua X, 123 |
Observe o endereço do proprietário - ele é uma violação da 3FN, vez que é definido a partir de quem é o proprietário e não a partir da PK que é a placa do carro. Se o José mudar de endereço e atualizarmos o endereço de apenas um dos carros dele, o banco de dados ficará inconsistente (há anomalia de alteração). Se a Maria comprar mais um novo carro e adicionarmos com um outro endereço, também ficará inconsistente (anomalia de inserção). Se o Marcos vender o carro dele, o seu endereço será esquecido (anomalia de exclusão). A solução novamente, é separar em duas tabelas:
Carro:
placa (PK) |
cor |
proprietário |
ABX-1234 |
azul |
1 |
NNU-5566 |
verde |
2 |
SGH-7210 |
preto |
3 |
ERT-6902 |
vermelho |
1 |
BGH-5431 |
preto |
1 |
Proprietário:
codigo (PK) |
nome |
endereço |
1 |
José |
Rua X, 123 |
2 |
Marcos |
Rua exemplo, 5678 |
3 |
Maria |
Avenida teste, 7743 |
Forma normal de Boyce-Codd (BCNF)
Existe uma forma normal que é um pouco mais forte que a 3FN, mas que não é requisito necessário para atingir-se a 4FN (ou mesmo a 6FN). Essa é a forma normal de Boyce-Codd (BCNF), também chamada por vezes de 3.5NF ou de forma normal de Boyce-Codd-Heath.
É bem raro encontrar-se casos de tabelas que estejam na 3FN, mas não na BCFN. Além disso, existem casos (incomuns) onde essa forma normal é impossível de ser atingida (diferentemente das formas entre a 1FN a e a 6FN, que sempre podem ser atingidas).
A diferença aparece quando há mais do que uma chave candidata e elas têm alguma intersecção. A ideia é que os campos que são chaves candidatas sempre determinem os demais campos, e nunca sejam determinados por esses. Assim sendo, na BCFN não é permitido chegar-se a uma chave candidata com base em alguma outra chave candidata por meio de dependências funcionais.
Pegando o exemplo emprestado de uma resposta do SOen, vamos dizer que cada pizza pode ter várias coberturas diferentes, cada uma de um tipo diferente e que você tem dois tipos de pizzas com essas coberturas:
Pizza |
Cobertura |
Tipo de cobertura |
1 |
muçarela |
queijo |
1 |
pepperoni |
carne |
1 |
azeitonas |
vegetal |
2 |
muçarela |
carne |
2 |
linguiça |
queijo |
2 |
pimenta |
vegetal |
Há duas chaves candidatas aí: (a) Pizza e tipo de cobertura definem a cobertura. (b) Pizza e cobertura definem o tipo da cobertura.
Note que para qualquer que seja a chave candidata que nós olhamos, a demais coluna depende da totalidade da chave candidata e de nada mais do que a chave candidata, então a 3FN foi atingida.
Bem, tem algo errado aí, pois linguiça não é um queijo e muçarela não pode ser carne e queijo ao mesmo tempo - apesar de termos atingido a 3FN, ainda temos anomalias!
A solução é novamente dividir em duas tabelas:
Pizza (PK) |
Cobertura (PK) |
1 |
muçarela |
1 |
pepperoni |
1 |
azeitonas |
2 |
muçarela |
2 |
linguiça |
2 |
pimenta |
Cobertura (PK) |
Tipo da cobertura |
muçarela |
queijo |
pepperoni |
carne |
azeitonas |
vegetal |
linguiça |
carne |
pimenta |
vegetal |
Quarta forma normal (4FN)
É raro encontrar-se casos de tabelas que estejam na 3FN, mas não na 4FN. A 4FN concerne em anomalias existentes na relação entre diferentes colunas da chave primária, e só se aplica em tabelas com chaves primárias compostas por três colunas ou mais.
Tabelas que representem relacionamentos ternários, quaternários ou n-ários de muitos-para-muitos são locais onde vale dar-se uma olhada em possíveis violações da 4FN.
Para uma tabela estar na 4FN, ela tem que primeiramente estar também na 3FN. A BCNF não é necessária.
É meio difícil de se explicar, mas imagine que tenhamos o caso de representantes comerciais atuando em clientes, onde vários representantes podem atuar em vários clientes e que tenhamos contratos de prestação de serviços em que vários representantes atuam em vários contratos. E então temos a seguinte tabela, onde todas as colunas são chave primária:
representante |
contrato |
cliente |
Geraldo |
1 |
loja de roupas |
Geraldo |
1 |
hospital |
Geraldo |
2 |
loja de roupas |
Geraldo |
2 |
hospital |
Marta |
1 |
supermercado |
Marta |
1 |
hospital |
Marta |
3 |
supermercado |
Marta |
3 |
hospital |
Luís |
2 |
loja de roupas |
Luís |
2 |
supermercado |
Luís |
4 |
loja de roupas |
Luís |
4 |
supermercado |
Observe que temos relações de muitos-para-muitos entre representantes e contratos e entre representantes e clientes. Mas não temos entre clientes e contratos!
Nesta tabela, nós temos informações redundantes. Por exemplo, a informação que Marta está no contrato 1 aparece duas vezes e teremos anomalia de alteração se essa informação redundante for alterada apenas em parte dos registros onde ela se repete. Também temos uma anomalia de inserção no caso de tivermos algum representante alocado para algum contrato no qual não haja ainda nenhum cliente.
O ideal é separar em duas tabelas, uma com a relação entre representantes e clientes e outra com a representação entre representantes e contratos:
representantes |
contratos |
Geraldo |
1 |
Geraldo |
2 |
Marta |
1 |
Marta |
3 |
Luís |
2 |
Luís |
4 |
representantes |
clientes |
Geraldo |
loja de roupas |
Geraldo |
hospital |
Marta |
supermercado |
Marta |
hospital |
Luís |
loja de roupas |
Quinta forma normal (5FN)
A 5FN é mais restrita que a 4FN, e também se aplica à tabelas com 3 ou mais colunas na chave primária. Novamente, para que a 5FN seja atingida, é necessário atingir-se a 4FN primeiramente.
Um nome alternativo para a 5FN é projection–join normal form - PJNF (forma normal de projeção-função).
Vamos imaginar um caso semelhante ao que usei na 4FN, mas que dessa vez, além de existir a relação entre representantes e clientes e entre representantes e contratos, também temos a relação entre clientes e contratos. Dessa forma, temos essa tabela:
representante |
contrato |
cliente |
Geraldo |
1 |
loja de roupas |
Geraldo |
1 |
hospital |
Geraldo |
2 |
loja de roupas |
Marta |
1 |
hospital |
Marta |
3 |
supermercado |
Marta |
3 |
hospital |
Luís |
2 |
loja de roupas |
Luís |
4 |
supermercado |
Observe que essa tabela é diferente daquela que usamos na 4FN. Há algumas redundâncias, como por exemplo, ela diz duas vezes que Geraldo está na loja de roupas e que o contrato 1 é aplicado ao hospital. A técnica usada para colocarmos na 4FN não se aplica, pois para quaisquer duas colunas obtidas da chave, existe uma relação (ou seja, temos a relação contrato-cliente também). Assim, essa relação já está na 4FN, mas ainda há espaço para normalização. Ao decompormos ela em três relações diferentes, chegamos a 5FN:
representantes |
contratos |
Geraldo |
1 |
Geraldo |
2 |
Marta |
1 |
Marta |
3 |
Luís |
2 |
Luís |
4 |
representantes |
clientes |
Geraldo |
loja de roupas |
Geraldo |
hospital |
Marta |
supermercado |
Marta |
hospital |
Luís |
loja de roupas |
Luís |
supermercado |
contratos |
clientes |
1 |
loja de roupas |
1 |
hospital |
2 |
loja de roupas |
3 |
supermercado |
3 |
hospital |
4 |
supermercado |
Sexta forma normal (6FN)
Para uma tabela chegar a 6FN, ela primeiramente deve estar na 5FN. Ela dita que:
Toda tabela só pode ter uma ou nenhuma coluna que não seja parte da chave primária.
Encontrar casos onde a 5FN foi atingida mas a 6FN não foi, é fácil: Qualquer tabela com duas ou mais colunas que não sejam chave primária são uma violação da 6FN!
Entretanto, encontrar-se casos onde a 6FN faça sentido de ser aplicada e traga algum benefício real com isso é bem raro - na maior parte dos casos aplicá-la acaba sendo maluquice, pois a aplicação desta forma normal tende a produzir uma explosão no número de tabelas sem trazer nenhum ou quase nenhum benefício com isso. A 6FN não foi definida para ser algo útil na prática, ela tem mais a finalidade de ser um limite teórico que defina qual é o ponto final a partir do qual nenhuma outra normalização seria possível.
Para ver como seria o processo aqui (e também duvidar de qualquer benefício real que isso traga), imagine a tabela pessoa
com os campos codigo
(chave primária), nome
(NOT NULL
), sexo
(NOT NULL
) e cor_favorita
(NULLABLE
), e tenhamos esses registros:
codigo (PK) |
nome |
sexo |
cor_favorita |
1 |
Marcela |
F |
verde |
2 |
Rodolfo |
M |
- |
3 |
Tiago |
M |
amarelo |
Ela seria decomposta assim:
Pessoa-nome:
codigo (PK) |
nome |
1 |
Marcela |
2 |
Rodolfo |
3 |
Tiago |
Pessoa-sexo:
codigo (PK) |
sexo |
1 |
F |
2 |
M |
3 |
M |
Pessoa-cor-favorita:
codigo (PK) |
cor_favorita |
1 |
verde |
3 |
amarelo |
Observe que cada coluna que não fazia parte de chave primária acabou indo parar em uma tabela separada. Observe também que a tabela pessoa-cor-favorita
não tem um registro para o elemento 2 (o Rodolfo). Essa forma de normalização elimina a necessidade de se ter NULLABLE
em colunas, e todas as colunas resultantes são NOT NULL
. Os casos dos valores nulos que existiam antes da normalização simplesmente acabaram sendo omitidos dos registros resultantes após a normalização.
Forma normal de domínio-chave (DKNF)
A forma normal de domínio-chave (domain-key normal form) é a que dita que:
Todas as restrições de integridade do banco de dados devem ser impostas ou por restrições de chave ou por restrições de valores de domínio.
Por restrições de chave, entende-se chaves primárias (PK), chaves estrangeiras (FK) e chaves únicas (UK). Por valores de domínio entende-se o conjunto de valores válidos para cada determinada coluna.
Esta forma normal é bem forte, sendo mais forte que a 5FN+BCNF. Porém, ela não é mais forte que a 6NF, uma vez que permite a existência de várias colunas que não sejam parte da chave primária em uma mesma tabela e nem a 6NF é mais forte que ela, uma vez que não há mecanismo na 6FN que garante que todas as restrições de integridade sejam modeladas tal como exige a DKNF.
Esta forma normal é o nirvana, a utopia, o estado ideal e perfeito da normalização. Entretanto, na prática, é quase impossível de se atingi-la porque qualquer banco de dados com regras de negócio com alguma complexidade provavelmente vai ter algum tipo de regra de consistência que não tem como ser modelada apenas como restrições de chave ou de valores de domínio. Entretanto, mesmo quando inatingível, um esforço para chegar próximo a ela é válido por poder eliminar várias possibilidades de anomalias.
Outras formas normais
Forma não-normalizada (UNF)
Ah, e é claro, temos também a forma não-normalizada (Unnormalized form - UNF), que é aquela forma que não se adequa nem mesmo a 1FN. Aqui é o vale-tudo. Pode ser desde aquela coluna multivalorada com vários números de telefones até aquela planilha gigante no excel com dezenas de tipos de informações diferentes todas misturadas em um tabelão só, cheio de Ctrl+C Ctrl+V e infestado de anomalias.
Entretanto, apesar de ser o vale-tudo, existem situações onde a UNF aplicada de forma inteligente pode ser vantajosa e muitas bases NoSQL se aproveitam disso.
Forma normal de chave elementar (EKNF)
Existe um algoritmo publicado (algoritmo de Barnstein) para se normalizar tabelas e levá-las até a 3FN. Porém, pesquisas realizadas posteriormente descobriram que esse algoritmo é um pouquinho mais rígido do que a 3FN exige, mas ainda sem satisfazer a BCNF ou a 4FN. Por esse motivo, essa forma normal foi chamada de forma normal de chave elementar (elementary key normal form - EKNF).
Segundo esse artigo:
Uma relação R está na EKNF se para cada dependência funcional elementar de R, então X→A, sendo (a) X uma chave de R ou (b) A um atributo elementar chave de R.
Na prática, a diferença para a 3FN é mínima. E sempre que a BCNF for atingida, a EKNF também já vai ter sido.
Forma normal de tupla essencial (ETNF)
Uma outra forma normal existente, mais forte que a 4FN+BCNF, porém mais fraca que a 5FN+BCNF é a forma normal de tupla essencial (essential tuple normal form - ETNF). Os autores que definiram essa forma normal a colocam como uma alternativa para a 5FN, que embora seja mais fraca, seria tão efetiva quanto.
Para a ETNF ser atingida, primeiro a BCNF tem que ser atingida. Então, a ETNF dita que:
Algum componente de cada FK explicitamente declarada é uma superchave.
Os autores que definiram a ETNF também se referem a outros trabalhos que definem a forma normal de superchaves (superkey normal form - SKNF), a forma normal livre de redundâncias (redundancy-free normal form - RFNF) e forma normal de chave completa (key-complete normal form - KCNF).
A 5FN+BCNF é mais forte que a SKNF que é mais forte que a RFNF que é mais forte que a ETNF que é mais forte que a 4FN+BCNF. Também é demonstrado que a KCNF é igual a RFNF, embora tenham sido definidas por pessoas diferentes e de formas diferentes. Ou seja, todas essas formas são formas intermediárias entre a 4FN+BCNF e a 5FN+BCNF.
Entretanto, nenhuma dessas formas normais menos conhecidas é muito relevante para quem só está querendo modelar a sua aplicação de banco de dados, até porque é bem raro de se encontrar algum caso onde a 4FN foi atingida e 5FN não foi, e mesmo quando esses casos sejam encontrados, bastaria aplicar a normalização para 5FN ao invés de tentar um estado intermediário entre a 4FN e a 5FN. Essas formas só são relevantes para quem está fazendo alguma pesquisa teórica na área, ou está construindo alguma ferramenta de modelagem de banco de dados, ou tem alguma necessidade muita específica nisso.
Até onde normalizar?
Em geral, muitos ficam satisfeitos em atingir a terceira forma normal e não se preocupam muito com as demais formas normais superiores a essa porque:
Se aplicam a casos raros, pois quando a 3FN é atingida, quase sempre a BCNF, a 4FN e a 5FN também foram por sorte ou acidente. Isso ocorre porque é difícil se ter um caso na 3FN que não está na BCNF e também porque tabelas com três ou mais colunas na chave primária e que tenham relações de dependência entre essas colunas são algo bem raro.
Uma vez que a 3FN é atingida (e provavelmente, por sorte ou acidente, a BCNF, a 4FN e a 5FN também), restam bem poucas possibilidades que permitam a introdução de anomalias. Procurar atingir a 6FN é em geral maluquice e não traz benefício prático algum. Procurar atingir a DKFN é quase sempre impossível, embora essa busca possa ser valiosa ao revelar ainda alguma possibilidade de anomalia que possa ser eliminada.
Por vezes, para melhorar-se o desempenho do banco de dados ou simplificar-se a sua estrutura, a recomendação acaba sendo a de desnormalizar algumas coisas. Muitos sistemas com foco em dataware house ou business intelligence são normalizados só até a 2FN, mesmo tendo sido concebidos a partir de estruturas que já estavam na 3FN e foram desnormalizadas.
Aliás, a 6FN tem mais utilidade quando se pensa em desnormalização ao invés de normalização. A ideia seria procurar tabelas com relacionamentos 1-para-1 e então unificá-las. Afinal de contas, quando os dados referentes a um registro de um determinado conceito do domínio da aplicação estão espalhados em várias tabelas com relacionamentos de 1-para-1, isso é um forte indício de que talvez eles deveriam estar numa mesma tabela.
Onde posso aplicar o conceito de normalização?
O conceito de normalização e as formas normais se aplicam somente aos bancos de dados relacionais. Outros tipos de bancos de dados que não sejam relacionais (por exemplo, uma aplicação que salve dados em arquivos organizados em pastas), também podem ter conceitos análogos a normalização para eliminar-se redundâncias, melhorar-se a estrutura e reduzir-se a possibilidade de produzirem-se anomalias. Porém, nesse campo, os conceitos de normalização não são tão bem definidos quanto no caso de bases de dados relacionais e cada caso terá as suas particularidades.
O caso do NoSQL em especial é bem interessante, pois a ideia dele é modelar dados que não necessitam ter uma forte consistência (o que se denomina consistência eventual), e muitas vezes os seus dados provêm de locais onde não há uma estrutura muito forte e bem definida para os dados. Por esse motivo, não faz tanto sentido falar-se em normalização em bases NoSQL quanto se faz com SQL relacional, pois a ideia do NoSQL é aceitar, tolerar e saber lidar com eventuais anomalias e ser capaz de se virar mesmo se elas surgirem. Bases de dados NoSQL sacrificam consistência em troca de escalabilidade, e por esse motivo, anomalias têm que ser toleradas. Apesar disso, ainda assim existem alguns conceitos referentes à normalização em NoSQL, mas não são tão bem definidos ou amadurecidos.
Ah, e é importante dizer que se o banco de dados tiver sido mal-concebido para o domínio ao qual se destina, não será a normalização ou a desnormalização que irá salvá-lo. Nada te impede de chegar até a 5FN ou até mesmo na DKNF e ainda assim ter um banco de dados mal-projetado, gambiarrado e/ou inadequado se ele foi mal-idealizado por razões alheias à normalização.
Normalização de dados e normalização de banco de dados
Para fechar a resposta a esta pergunta, normalização de banco de dados consiste na normalização da estrutura do banco de dados, enquanto que normalização de dados corresponde à normalização dos dados já existentes nas tabelas.
Entretanto, especialmente em caso de reestruturações de bancos de dados que já estão em produção, os dois conceitos andam tão juntos e misturados que nem acaba fazendo sentido falar-se em um deles sem estar falando também do outro. Daí, em muitas situações que acontecem na prática, eles acabam sendo colocados como se fossem sinônimos.