TL;DR
Não misture a Análise do problema com o Design (projeto) da solução, nem com a Implementação tecnológica.
Análise
Um analista é o profissional responsável por identificar um problema a ser resolvido ou necessidade a ser atendida e elicitar os requisitos para a criação de uma solução.
O conjunto de requisitos define o que o sistema deve fazer para atender às necessidades identificadas.
Baseando-se nos requisitos, o analista continua o processo de Análise identificando em alto nível de quais funcionalidades o sistema deverá possuir para atender aos requisitos.
Uma solução comum para mapear cada funcionalidade é através de Casos de Uso (não confundir com o Diagrama de Caso de Uso da UML). Um caso de uso é em geral uma espécie de passo-a-passo da interação entre usuário e sistema, embora esse conceito possa variar. Além disso, geralmente ele descreve as pré-condições necessárias para a correta execução daquele caso de uso e as pós-condições, que são os resultados da ação realizada.
Note que ainda estamos em alto nível e nada aqui tem a ver com a solução tecnológica envolvida.
Continuando, se o analista é treinado em orientação a objetos e UML, ele pode optar por modelar esse conhecimento do domínio e do problema utilizando os diagramas adequados, que geralmente são: Diagrama de Caso de Uso, Diagrama de Atividades, Diagrama de Classes e Diagrama de Estados.
O Diagrama de Caso de Uso é uma representação visual simples das interações do sistema com o mundo externo. Os atores que interagem com o sistema são representações de usuários, outros sistemas ou qualquer entidade externa ao sistema que se comunique com o mesmo. Este diagrama não exclui a necessidade de mapear os casos de uso conforme descrito anteriormente.
O Diagrama de Atividades representa os passos do caso de uso numa espécie de fluxograma, incluindo bifurcações com cenários alternativos, cenários de erro, etc. Nem todos os cenários precisam ser representados no mesmo diagrama.
O Diagrama de Classes, neste estágio de um projeto, deve incluir apenas as classes de domínio, não incluindo classes específicas de frameworks, bibliotecas, nem qualquer referência à tecnologia que será usada para implementação. Poderíamos chamar este diagrama de Diagrama de Classes de Domínio. A função do diagrama é representar as entidades necessárias e o relacionamento entre elas. Em suma, é a forma moderna e orientada a objetos do Diagrama de Entidade-Relacionamento (DER), embora ambos possam ser usados. O DER geralmente é associado à modelagem estruturada.
O Diagrama de Estados é usado para as entidades do sistema que seguem um fluxo de estados. Por exemplo, uma parcela pode estar "em aberto", "liquidada", "em atraso", "em prejuízo". Este diagrama representa os estados e como ocorrem as transições entre eles.
Através de tudo isso, o analista pode validar a solução, não considerando a parte tecnológica, mas verificando se as classes e os casos de uso atendem aos requisitos. Por exemplo, se houver um requisito de que "o gerente poderá extrair um relatório com o total de produtos vendidos no mês", então o analista deve olhar se a classe Produto
possui um relacionamento "navegável" com Venda
e ItemVenda
. Ele também pode adicionar às classes alguns métodos e atributos mais importantes para atender a esses requisitos.
Design
Com base em todas essas informações, entram em ação os arquitetos e desenvolvedores para propor uma solução tecnológica para o problema. Isso não necessariamente vem em sequência, mas muito pode ocorrer em paralelo.
Os projetistas técnicos poderão criar vários outros diagramas para representar o que será implementado, mas dificilmente chegarão ao nível de detalhe de colocar classes de um framework.
Os diagramas mais relevantes e geralmente usados são:
- Diagrama de Componentes: representa a divisão em alto nível dos componentes principais do sistema. A divisão não representa a estrutura de pastas dos arquivos do projetos, mas é uma divisão lógica de responsabilidades.
- Diagrama de Deployment: uma representação do ambiente onde o sistema será executado.
- Diagrama de Sequência: para uma determinada ação no sistema, este diagrama representa a interação entre diversos objetos através das chamadas executadas e do retorno, permitindo visualizar a sequência de chamadas a métodos no tempo.
O design também pode ser feito de forma agnóstica, isto é, sem considerar quais tecnologias, frameworks e bibliotecas serão usadas. No entanto, creio que é mais produtivo modelar a divisão de componentes e classes já pensando na implementação, de forma a não gerar mais um gap de informação.
Note que cada um dos diagramas citados podem ser feitos para vários casos diferentes. Quando falamos em Diagrama de Classes ou Diagrama de Componentes, não falamos de um único diagrama que representa o sistema como um todo. A representação pode ser feita em níveis diferentes, por exemplo, um mostrando os componentes gerais do sistema e outros diagramas mostrando a estrutura interna de cada componente individualmente. A representação também pode ser feita em contextos diferentes, por exemplo, podem ser feitos vários diagramas para representar apenas o necessário para uma funcionalidade importante, ignorando classes e pacotes não relevantes nesse contexto.
Implementação
A implementação deve seguir o que foi definido no design, porém, isso não significa que cada método, classe, pacote e componente deve ser mapeado um-para-um no projeto "físico", seus arquivos e estrutura de diretórios.
O programador deve ter a liberdade de encontrar a melhor solução para atender ao que foi solicitado com a estrutura que ele desejar. Seria péssimo do ponto de vista de boas práticas, impor cada detalhe do que deve ser implementado. Se isso fosse possível, não precisaríamos de programadores, mas de um gerador de código.
Construindo a ponte
Ao estudar com atenção as "fases" (entre aspas porque não são uma sequência linear) de um projeto de desenvolvimento de software, é possível notar que existe um grande salto (gap). Uma analogia comumente usada nos livros de Engenharia de Software consiste em construir uma ponte entre o que o cliente precisa e a solução tecnológica.
Ainda hoje, a Engenharia de Software é uma disciplina um tanto imatura, não temos uma forma padronizada como a Civil ou Elétrica para trabalhar. A validade de um Modelo de Análise, um Modelo de Design ou da solução implementada depende quase exclusivamente de fatores humanos, como a capacidade de comunicação e entendimento dos analistas.
Não existe uma regra formal para representar a modelagem de dados. A UML foi um grande avanço, mas os diversos diagramas em geral variam em nível de detalhe, abrangência e muitos outros fatores de projeto para projeto, de equipe para equipe e de indivíduo para indivíduo.
Considerações finais
Mesmo com as últimas afirmações acima, não quero ser pessimista. Embora não haja uma resposta definitiva para a modelagem de sistemas, existem alguns princípios que podem nos guiar:
- Coloque a comunicação em primeiro lugar. O objetivo de um diagrama é comunicar informação e não simplesmente ser um espelho do código. Se um diagrama não comunica algo útil, não perca tempo com ele. Considere sua equipe e o seu projeto e faça os diagramas que forem relevantes com os detalhes relevantes para que as pessoas saibam o que estão fazendo. O seu time consegue se reunir numa mesa e discutir um diagrama, rabiscando-o e usando-o como base para a conversa?
- Não faça diagramas de tecnologias específicas. Se alguém quiser saber como Servlets, Rails ou Django funcionam, é melhor comprar um livro. Você só vai confundir as pessoas. Já vi muitos diagramas por aí que nada mais são do que o modelo MVC com nomes diferentes.
- Verifique se o diagrama atende os requisitos. O seu diagrama deve ser útil não só para entender o que deve ser feito, mas também para validar se a sua solução atende ao que o cliente precisa. Faça testes mentais lógicos, olhando para as classes, métodos e relacionamentos, verificando se elas tem motivo de estarem ali, se para um certo cenários você consegue extrair os dados necessários, etc.
Como mencionei algumas vezes, a Análise, o Design e a implementação provavelmente serão feitas muitas vezes durante o ciclo de desenvolvimento. Não espere ter tudo certo no começo. Investir tempo demais em detalhamento é ruim, segundo vários autores.
Esse método de identificar classes através de substantivos pode ser útil quando você não tem ideia do que está fazendo, mas é péssima porque trata-se de uma tentativa de criar uma forma "burra" de extrair informação, sem análise crítica.
Aliás, a palavra "extrair" é muitas vezes usada indevidamente. Quando criamos um sistema, não extraímos os requisitos e as classes necessárias como se elas já existissem ali, ocultas de alguma forma. Quanto às classes, nós simplesmente definimos de forma espúria quais classes um sistema terá de modo a atender às necessidades. Trata-se de um processo criativo e não de um processo de extração como se faz com matéria prima. Por "criativa", não pense em arte pós-moderna, mas em algo mais metódico.
Minha recomendação é identificar através dos requisitos, quais dados são necessários para que o sistema funcione e o relacionamento entre elas. Já dizem os DBAs: os dados são o coração do sistema. Assim temos as entidades necessárias.
Depois, com base nas funcionalidades que o sistema deve ter, pode-se então criar classes que serão responsáveis por tratar essas funcionalidades.
Enfim, não há uma resposta absoluta, mas espero ter exemplificado bem um caminho que aprendi ao longo de alguns anos estudando e refletindo sobre como desenvolver bem um software, não só do ponto de vista técnico.